Histórias do Fim do Mundo

Histórias do Fim do Mundo Tim Marvim
José Antonio Martino




Resenhas - Histórias do Fim do Mundo


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Andreia 08/09/2010

Parabéns ao escritor!
Um livro muito bem humorado que vale à pena ler.
Ficamos buscando autores estrangeiro e esquecemos de dar crédito aos nossos escritores.
Este livro foi muito bem escrito e mostra com muito bom humor algumas passagens do cotidiano.
Parabéns ao escritor.
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José Martino Escritor 04/04/2010

Leia um capítulo como aperitivo!
Cego Aberbal tinha fama de milagrento. Gente dos mais longínquos confins, dos mais recônditos algures vinha tomar a sua bença, que ele dava de graça a troco de um troco qualquer. Era velho como o pecado. Um dia, sentou-se na escadaria da igreja para descansar seu cansaço. Achou o local agradável, simpático, nirvânico e resolveu ir ficando mais um pouco pelo resto da vida, mãos estendidas em súplica do pão que o Deus dadivoso voltemeia lhe negava. Assim envelheceu cego Aberbal, no acostamento da vida, sorrindo para os que lhe sorriam, praguejando contra aqueles que praguejavam contra ele e cuspindo seu catarro grosso nos degraus em que dormiam os anjos de Deus, Nossenhor.
Sua história corria na boca da molecagem, das madamas finas do Boulevard Café, das prostitutas amanteigadas no Pingado Avenida. Quando menino, escutei pela boca murcha de Tia Fedegosa a versão que me pareceu ser a mais verdadeira e digna de créditos. É que com o passar dos anos, cada um foi acrescentando o seu tanto, omitindo uma coisinha aqui, distorcendo outra ali, de modo que muito daquilo que se imputa hoje a cego Aberbal não passa de folhetim, invencionice romanesca do povo.
Foi nos tempos em que cego Aberbal era mocinho. Diz-se que, certa feita, apareceu no povoado da vila um tal de Vossosolhos, sujeito meio cigano, meio preto, meio índio, meio judeu e tomou-se de amores pela mãe de cego Aberbal, acabando por se tornar amante da dita. Segundo consta a crônica da época, tinha a velhota seus sessenta anos bem entrados, era feia, ranheta, banguela e adiposa. Acrescente-se também um desvio irreversível de coluna, uma anemia crônica, algumas verrugas generalizadas pelo corpo e uns fumos de barba na queixada para termos em rápidas pinceladas o retrato fidelíssimo dessa criatura de Deus. Cumpre ainda lembrar que a macróbia era pobre feito deputado em primeiro ano de mandato. Eh... estrumeira!
Pois bem, numa noite (todas as evidências indicam que só poderia ser noite e daquelas bem negricentas), o menino Aberbalzinho, que não era cego cousa alguma, ia pelas sombras sombrias da floresta, mui grimpante e faceiro, levar uma bacia de pitombas até o barraco de sua vovozinha, que já estava nos descontos da prorrogação. Por acaso, o Vossosolhos ociava naquelas brenhas esquecidas da civilização e, vendo o moleque longe do lar e da mamã, concluiu engenhosamente com seus suspensórios que a rapariga de seus sonhos (rapariga?) só poderia ter afastado o menino Aberbalzinho de casa de propósito, para facilitar uma visitinha do seu amante. Conclusão sábia e lógica. Porém, como o Vossosolhos não era de agir aos supetões e queria certificar-se da veracidade do seu raciocínio, resolveu transformar-se num pé de jaca para arrancar do menino Aberbalzinho a confirmação de seu juízo. Postou-se ao cabo duma pinguela, sobre um riachinho que meneava em curvas, e aguardou a passagem do cujo Aberbalzinho.
- Alto aí, filho do saci! - gritou o pé de jaca - Quem vem lá? Rebento do boi-tatá!
O cujo Aberbalzinho teria cagado nas ceroulas se usasse uma coisa dessas naquele tempo. Ficou branco feito cisne com anemia. Nunca havia proseado com um pé de jaca em sua vida; sequer acreditava que fantasmagorias dessa espécie existissem além da realidade dos contos de fadas. Quis correr, mas sentiu-se uma minhoca enraizada na umidade da terra. Deixou o silêncio falando por ele.
- Quem és tu? Filhote de barzebu!
- Sou o menino Aberbal... e venho da parte de mamã levar esta bacia de pitombas para a vovozinha que está nas últimas, nos descontos da prorrogação.
Ao ouvir que tinha sido a mamã quem mandara o fedelho entregar pitombas para a vovozinha (que já estava nos descontos da prorrogação), o Vossosolhos teve confirmada a sua idéia de que a amada afastara o filho de casa para que o amante pudesse ir ter com ela seus momentos de intimidade. Nem quis perder tempo se destransformando de novo em gente. Saiu correndo floresta adentro para o seu encontro amoroso feito pé de jaca mesmo, todo escalafobético, desajeitado e torto, protagonizando uma das cenas mais patéticas que já se teve notícia pelas cercanias daquele rincão e que provocou o gargalhar geral da animália ignara da selva, inclusive do menino Aberbalzinho, que de tanto rir ficou todo mijado (e jurado de vingança pelo Vossosolhos).
Quando o Vossosolhos se achegou nos arredores da choupana onde morava a velhota, deparou-se com aquela plantação bonita de bananas-nanica, toda em dourados cachos pendidos dos talos rombudos e que a amante tanto apreciava. Como se tratava de um gentleman, o Vossosolhos não quis se apresentar sem um presente digno de sua amada e resolveu fazer uma surpresa para ela, subindo em uma das árvores para colher a dita fruta. Acontece que a noite vinha escura de fazer coruja crocitar de felicidade, fato que o Vossosolhos não deu a atenção merecida e por isso mesmo escorregou feito jaca madura, quando já se apoderava do maior cacho de bananas que tinha encontrado e acabou levando o maior tombo da paróquia, igreja e capelinha.
Tal foi o barulho da queda do estrupício que uma luz tremente de vela foi acesa dentro da choupana, como o Vossosolhos pôde ver através das frinchas da janela. Nem ainda havia se posto de pé, quando a porta se destramelou e um homem, todo peludo e pelado, saiu rosnando aos urros:
- Pega ladrão! Pega!
Entrou o Vossosolhos em órbitas com o que vira, fulminado pela surpresa e pelo ódio que lhe eunucavam as bolas. Então a velhota tinha mesmo mandado o menino Aberbalzinho levar pitombas para a avó na floresta com o propósito de facilitar um encontro amoroso com o amante, um outro amante que ele ignorava existir? Vossosolhos esbravejou como macho desprezado:
- Eu te capo! Bastardo do sapo!
Nisso, apareceu a mãe do Aberbalzinho, toda nem-estou-aí-pra-ti,-juriti, chupando uma banana melada. Ao ver que o Vossosolhos ali se apresentava, rangendo dentes e cerrando punhos, aproveitou o espetáculo tragicômico para se aninhar no peito cabeludo do outro e acusar aquele mequetrefe inoportuno de horas tortas:
- É esse aí, Zé-Pistola, o morcorongo que vem me roubar as banana toda santa noite!
Dizem que esse tal de Zé-Pistola estava mais para orango do que propriamente para gente, quer em pêlos, quer em músculos. E, segundo a narrativa proto-epopéica de Tia Fedegosa, tamanha foi a surra que levou o Vossosolhos, tanto bateu o Zé-Pistola, que este ficou até com calos na consciência.
No mais, o Vossosolhos achou mais prático se vingar da velha no menino Aberbalzinho. Ficou de moita em sua palhoça, moendo vingança no coração, enquanto aguardava a oportunidade vir cantar em seu quintal. Nem demorou muito quando, numa bela tarde (era primavera), encontrou o menino Aberbalzinho com um caniço na mão perto das barrancas da represa. Minhocou:
- Esse merdinha deve de estar indo pescar peixe nas barrancas da represa! Que a luz do sol me falte aos olhos, se hoje eu não acertar com ele a nossa diferença.
Dito e feito. Meteu-se no lodo barrento das águas fundas e esperou o mal-afortunado Aberbalzinho chegar. Foi quando se deu a enorme tragédia. O Vossosolhos, enraivado como estava, pegou a linha da vara de pescar que o menino Aberbalzinho tinha jogado dentro d'água e a puxou com firmeza, sem largá-la, dando a impressão de que ela tinha se enroscado em algum troço no fundo da represa. Por mais que o Aberbalzinho puxasse o caniço, o Vossosolhos não largava o anzol. Queria ele que o menino aproximasse o rosto da lagoa, até que teve uma de suas idéias capengas:
- Quem és tu, arremedo de urubu, que dilaceras o ventre de quem nada fez nem a ti, nem aos teus familiares?
Ficou muito espantado com as palavras que ouvira sair de dentro das águas escuras do lago. Pensou que fosse sombração do Coisa-ruim, mas não largou a vara de pescar. Antes, segurou-a com mais força ainda, temendo perdê-la. Vossosolhos insistia:
- Sou o maior, mais suculento, gostoso e nutritivo peixe que vive em toda esta represa. Descendo da baleia que engoliu Jônathas nas praias de Nínive e dos sublimes pescados que eram servidos em banquetes trimalchônicos para o regalo dos Imperadores de Roma. Aproxima-te e vê com teus próprios olhos o meu tamanho descomunal.
Ao ouvir as palavras do peixe, o menino Aberbalzinho ficou radioso de alegria. A pescaria estava lhe saindo melhor do que a encomenda! Nunca se perdoaria caso deixasse escapar um peixe desses, que até falar, falava. Por isso, pôs todas as forças que tinha e que não tinha para trazê-lo fora d'água. Como o bicho não vinha de jeito nenhum, e porque era crédulo e burro, quis o Aberbalzinho vê-lo de perto e aproximou o rosto das águas da represa, sempre puxando o mais que podia a linha do seu caniço. Quando o Vossosolhos viu aqueles olhos enormes, brilhando de curiosidade, mirou bem miradinho o anzol neles e o soltou fora d'água, fazendo movimento de elástico de estilingue. Nem é preciso dizer o que se sucedeu depois. O anzol acertou em cheio a vista do menino, arrancando de uma só vez os seus olhos. E cego Aberbal lamentou-se, pelo resto dos seus dias, o majestoso peixe que deixou escapar.

Pedidos: zenarede@ig.com.br

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