Luan 16/12/2019
O pai da literatura soviética.
Em A Mãe, romance publicado em 1907, Máximo Gorki compõe uma obra simples, mas robusta. Singela na compreensão, desafiadora pelos discursos políticos inflamados em cada página. Ele utiliza-se das agouras vivenciadas para criticar o imperialismo, trabalhos forçados (escravidão assalariada) e a falta de mobilidade social. Características da Rússia Czarista, da qual fez parte. Constantemente, em forma de protesto, invoca a uma eventual Revolução, que aconteceria somente em 1917, nas 352 páginas.
Pélagué Nilovna, ‘a mãe’ de Pavel Vlassof, um dos militantes fundadores e líderes do Movimento Socialista na classe operária—primeiro na fábrica, estendendo-se para a cidade e, posteriormente, para o campo—, é a personagem principal da trama, contudo, pouco ativa. Por isso, em grande parte do romance, a mãe possui pouca interação externa, em comparação com as suas agitações internas. É notório o vanguardismo e ousadia de Gorki em ir revelando o rebelar de sua personagem, aos poucos, de maneira contínua. Outrora dócil, por vezes caricata, à uma voz profunda e indignada, em busca do sentido que a tomara. É belo presenciar, gradativamente, o calar do narrador perante as falas e ações da personagem.
Não há ramificações teóricas sobre o socialismo e suas vertentes. São “apenas” trabalhadores explorados por um regime imperial dispostos a lutar e morrer por aquilo que intitulam de “A Verdade”. Verdade essa que fora disseminada em livros. Também não é citada nenhuma obra diretamente, mas indiretamente são perceptíveis algumas influências; No discurso emotivo de André, o pequeno russo, com os ânimos acalmados após discussão com Pavel, ele adapta o mito da caverna em alusão à vida sofrível e de temor que lhes é imposta na escuridão, surgindo então, alguém com a tocha da verdade em mãos, causando inquietação e espanto aos demais.
O autor trabalha com conceitos básicos dentro da ideologia socialista, como distribuição de renda, mais-valia e reforma agrária, as manipula sem utilizar tais termos, mas os deixa evidentes através dos desejos do povo. A visão dos que compactuam com à causa é em prol da população. Não cabe individualismos, mas ocorrem privações individuais em busca da conquista coletiva. Uma crítica também aos movimentos de ideologia similar, mas que estão enraizados numa ótica fragmentada, encharcados de minúcias teórico-políticas, esquecendo-se do bem maior: o povo e suas conquistas. Tal divisionismo, hoje, foi responsável pela ascensão de governos como o de Brasil e Estados Unidos.
Adepto do socialismo, assim como seus personagens, Gorki é peça rara numa literatura sofisticada e reconhecida por sua elegância estilística. Na contramão, utiliza -se de um vocábulo pungente e claro, de fácil compreensão. Escreve para o proletário, sendo considerado o maior escritor soviético de sua época. Enfatizando as mazelas da vida, trazendo à tona a imagem do homem real; do operário ao camponês. sem idealismos e tampouco romantismo, munido apenas de suas habituais descrições céticas e reais, que chegam ao âmago em questão de linhas lidas. Certamente, o mais talentoso escritor russo não o é, contudo, o mais real, visceral e chocante, sem a menor sombra de dúvidas.
Em alguns lugares ao redor do mundo, essa leitura pode ser deveras desafiadora e muito corajosa. É possível que um professor de sociologia ou história, no Brasil, seja demitido ou tenha que prestar declarações ao Ministério Público, em relação à utilização de tal obra em sala de aula, sob acusação de suposta “panfletagem ideológica”, como já vimos, infelizmente, em alguns casos surreais por aí.