Coruja 27/05/2021Descobri esse livro na pré-venda da Amazon (estou sempre dando uma espiada lá para descobrir se há novidades que me interessem e assim aumentar a minha já enorme lista de desejos) e me conquistaram capa, título e sinopse. O que posso fazer, se sou fascinada pelo assunto das grandes guerras?
As Bruxas da Noite é um relato sobre o 588º Regimento de Bombardeio Aéreo Noturno Soviético, um corpo das forças armadas que lutaram na Segunda Guerra Mundial e era inteiramente composto de mulheres - oficiais, pilotas, navegadoras, mecânicas, instrutoras. Apelidadas pelos alemães de Nachthexen, alcunha que dá título ao livro, essas mulheres eram combatentes ousadas, com importante papel na guerra, sendo depois escanteadas e, se não oficialmente esquecidas, ao menos sutilmente omitidas pelo discurso do governo stalinista (afinal, Stalin nunca foi particularmente conhecido como um feminista, não é mesmo?).
Eu já ouvira falar em algum documentário sobre mulheres atiradoras de elite atuando contra os nazistas, mas esses eram pontos isolados, ao contrário do 588º Regimento, que formou uma inteira comunidade feminina de soldadas. O resgate de sua intrepidez e destemor é algo fascinante, especialmente quando pensamos no lugar usualmente reservado às mulheres em tais marcos históricos (espectadoras, sobreviventes, vítimas).
Esse resgate aqui é feito através das memórias de Irina Rakobolskaya, última sobreviventes das bruxas, com 96 anos à época em que Ritanna Armeni começou sua pesquisa. Evidentemente, esse tipo de explanação deve ser tomado com um grão de sal, não porque possa haver algo intencionalmente falso, mas porque a memória nem sempre é particularmente exata, mesmo logo após o fato, que dirá mais de meio século após o acontecido. Talvez exatamente por isso, Armeni tenha escolhido escrever algumas partes de forma quase romanceada.
Gosto do fato de que Bruxas da Noite dá espaço para que a voz de Irina seja ouvida, mas senti falta de uma pesquisa mais aprofundada. Prefiro livros de História que trazem fatos e dados sólidos, mas também cartas e trechos de diários, que conseguem articular bem entre essas duas formas de explorar nosso passado - é uma das razões de ter ficado tão empolgada com Waterloo e No Reino do Gelo, por exemplo. Armeni imprime aqui uma narrativa mais fluida, pouco preocupada com datas, mapas, contextualizações fora do microcosmo imediato das bruxas e isso me deixou com a impressão de faltar algo.
Talvez parte do problema seja a falta de fontes. A impressão que o livro me deixou é que houve um esforço de abafar iniciativas como o 588º Regimento, sem apagá-los completamente - porque isso não se encaixaria na narrativa de igualdade de gêneros do regime, mas permitir a ampla divulgação do papel das mulheres na guerra demonstraria o quão próximo da ruína a URSS chegou. Armeni tem acesso a Rakobolskaya por um acaso, após falhar sua tentativa de marcar um encontro por canais oficiais. Há menções sobre as bruxas em documentos e até livros de História atuais, mas num espírito de nota de rodapé e não de protagonismo.
Ainda assim, é uma leitura interessante - e rápida, já que o livro, em si, é até curtinho. Os apartes que mostram como foi feita a investigação da jornalista trazem um “por trás dos bastidores” que me fisgou também. Ao final das contas, vale a pena, mas acho que o assunto merecia mais desenvolvimento. Fico com o gosto de quero mais.
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https://owlsroof.blogspot.com/2021/05/as-bruxas-da-noite-historia-nao-contada.html