Senna 18/10/2011
Famílias terrivelmente felizes
A capa desse livro me chamou a atenção diante de tantos livros na livraria, não somente por ser vermelha, mas pela ilustração assim indefinida, assim inexpressiva. Seria um verme? Uma tripa retorcida? O que danado é isso? - eu pensei. Até agora eu não tenho certeza do que seja, mas mexeu comigo, revirou muita coisa aqui dentro do estômago e coração, assim como fizeram os contos que o livro traz. O título também achei uma grande idéia, me soou sarcástico aos ouvidos, quando li imaginei logo que ele estava disposto a contar todos os segredos e incômodos que as famílias 'aparentemente felizes' escondem debaixo do tapete.
Confesso que a capa pitoresca foi o que me atraiu à princípio, mas logo folheei o livro e encarei as ilustrações disformes, indefinidas, mas cheias de sentido que, só mais tarde ao ler boa parte do livro, pude perceber como dialogavam tão bem com a natureza dos contos. São figuras de vermes, ratos mortos, telhados, penas e asas e tantas coisas mais que eu não sei ainda o que significam. São figuras encaradas como nojentas, sujas, imundas, diria até repugnantes. E o livro trata de assuntos assim, tristes, lamentáveis, trágicos, não espere ler um conto de fadas, não são histórias de príncipes e princesas encantados com finais felizes. É a realidade.
Mas ao contrário da impressão - errônea - que posso ter causado no parágrafo anterior, as histórias do livro não carregam uma áurea pesada, não são fatalistas ou tenebrosas, muito ao contrário, e é esse o diferencial do autor: ele consegue tornar o "feio" atraente. O Marçal consegue tornar interessante fatos simples e aparentemente repulsivos, como um casamento desgastado, desencontros amorosos, assassinatos, brigas e fracassos em geral.
A realidade que ele se propõe a tratar é suja e imperfeita, mas é real, e ele conta com uma imensa riqueza de detalhes, harmoniosamente arranjados de modo que os contos se tornam leves e fluem suavemente apesar dos assuntos serem de difícil digestão. Além do mais as histórias são sempre surpreendentes, fugindo do lugar-comum dos romances e personagens estereotipados, expondo a realidade dura de uma forma suportável. O Marçal Aquino nos faz rir do que não tem graça, mas não é um riso de alegria, é de conforto à alma.
No primeiro conto, por exemplo, ele trata da morte de um homem que viveu a vida enclausurado num hospício. Isso por si só já é triste e depressivo, mas pela forma que ele conta, pelo ângulo que ele vê, se torna bastante interessante; ele resolve contar em terceira pessoa a vida que poderia ter sido e não foi. E quem nunca se perguntou a vida que poderia ter tido e não teve?
Assim é 'famílias terrivelmente felizes', é uma leitura agradável sobre o desagradável, é tão divertido que por hora esqueçemos que o conto é trágico, pois ele se torna belo e tão palpável que é digno de aplauosos, e jamais de lágrimas.