Art 26/04/2023
I'm not like them; But i can pretend
A obra faz um retrato minucioso de toda a vida e carreira de Kurt Cobain, iniciando até mesmo com um contexto antes de seu nascimento e encerrando com seu velório, relatado pela leitura da carta de despedida por Courtney Love. O conjunto de histórias e relatos reunidos são contidos de forma tão absurda (num bom sentido) que muito provavelmente o próprio Kurt desconheceria de algumas das informações contidas. Podemos dizer que o livro tem dois lados: um superficial e outro interno. O superficial trata de narrar sua carreira e os acontecimentos expostos pela mídia e pelo pessoal que acompanhou toda a trajetória da época; O interno trata dos diários e cartas pessoais de Cobain, as quais revelam e dialogam com suas verdadeiras ideias e pensamentos, sejam eles expostos pelo próprio ou não (a música “Rape Me” seria perfeitamente dedicada a quem fez essa evasão). Esses dois lados da obra se completam e formam o conteúdo da obra no melhor das biografias: os relatos de sua vida e a arte da espontaneidade.
Pode-se gostar ou não de Kurt ou do Nirvana, mas após a leitura é praticamente impossível não se sinta no mínimo curioso para saber mais sobre a figura tratada, um garoto de Aberdeen que muito ouvia e pouco se abria. Conhecendo mais sobre a estrutura e história de sua família, principalmente sabendo do traumático divórcio de seus pais, dá para entender de onde vinha grande parte das inspirações musicais dos temas tratados por Kurt. Suas letras muitas daí se inspiraram. As composições eram uma grande mistura de críticas sociais metaforicamente elaboradas, desabafos e um grande nonsense no máximo da espontaneidade, provando que sua figura não era bicho de laboratório passível de análises comportamentais e estudos, assim como muitos autores tentam fazer com tudo relacionado à expressão humana. É claro que é legal analisar todos os sentidos e interpretações das letras (o próprio livro faz isso), mas também não podemos deixar que a racionalidade apague a naturalidade, a tomada puramente emocional e os instintos. Muitas das músicas não possuem explicação alguma, são apenas retrato do que surgia na mente, daquilo que soaria como algo legal ou absurdo, como Kurt admite ao falar sobre “Blew”. O lado interno da obra também é sobre isso: a não explicação. O que, evidentemente, não impede o inverso e as incitações das letras como metáforas do sentimento de Kurt em relação ao mundo, de seus traumas parentais, de privacidade rompida pela fama e até mesmo sobre seu estômago. Em certo sentido, seus álbuns, se considerarmos específicas músicas, são retratações de como Kurt vê o mundo e suas relações, onde se alteram alguns dos personagens (Em Nevermind é sua ex, Tobi Vail, e em In Utero é Courtney) enquanto outros estão sempre lá presentes nas suas narrativas seus parentes).
As convicções de Kurt também eram adoções são curiosas, como sua obsessão por bebês com cara de golfinhos, o interesse pelo budismo e jainismo e a adoção do “punk rules” como uma verdadeira religião, de onde passou a apoiar o feminismo e o anti sexismo abertamente, mesmo num contexto em que o rock sexista era o hegemônico na música. Basta lembrar que o Guns N’ Roses foi uma das bandas mais populares dos anos 80 (infelizmente). Seu posicionamento não ficava apenas no estúdio ou nos discursos, mas avançava a shows beneficentes pró direitos LGBT e pró aborto. A personalidade de Kurdt não se resumia a “ser um drogado”, como muitas vezes a grande mídia e o doentio pensamento puritanista enraizado socialmente tentam dizer ao desumanizar o usuário. Se formos olhar muito dos conteúdos que buscam retratar sobre o grunge (o que pode ser facilmente expandido até para outros movimentos), muitos artistas são meramente reduzidos a “viciados” em títulos comumente conhecidos como “o declínio de pessoa X”. Não precisa ir muito longe para apontar o quanto esse tipo de conteúdo e abordagem desumanizante ao indivíduo é apenas uma consequência de pensamento criado por aquilo que chamamos de “guerra às drogas”, um nome bonitinho para esconder sua verdadeira intenção de política de extermínio. A obra, nesse quesito, não faz juízo de valor sobre suas ações e não romantiza a questão do vício.
“Nem pensar que eles não fossem cuidar muito bem dessa criança, observa Carroll. O problema não era esse. O único problema eram as drogas. Era aquela insana mentalidade puritana americana de guerra às drogas. A premissa é que você não pode ser um viciado e ser um bom pai”.
“É simplesmente espantoso que neste momento da história do rock as pessoas ainda estejam esperando que seus ídolos encarnem arquétipos clássicos do rock, como Sid e Nancy. Supor que sejamos exatamente iguais porque tomamos heroína durante algum tempo – é muito ofensivo esperar que sejamos daquele jeito”.
Kurt era um artista. Não apenas musical, como também plástico. Desde pequeno sempre sonhou e quiser ser um, também vindo a prever aquela que seria uma de suas grandes inimigas: a fama. Bizarramente ele anunciou quando ainda criança: “Vou ser um superastro da música, me matar e me apagar numa chama de glória, disse ele”. Nas últimas linhas de sua carta de despedida, ele reafirma sua convicção. “É melhor queimar do que se apagar aos poucos”.
Não apenas sua trajetória, mas até a forma de sua morte já havia se idealizado:
“Outro filme que fez em 1982 mostra um lado mais obscuro de sua psique: ele o intitulou: Kurt comete suicídio sangrento e, no filme, Kurt, representando diante de uma câmera conduzida por James, finge talhar os pulsos com a borda de uma lata de refrigerantes cortadas pela metade".
Apesar das bizarras apropriações sobre sua imagem, com centenas e milhares de corporações impondo o Nirvana e Kurdt como uma marca (aqui mais uma vez a coisificação, que inclusive transformou sua camisa “corporate magazine still sucks” e suas roupas em artigo de luxo, assim como transformaram um cenário musical em moda. Grife vende cópia de camiseta de Kurt Cobain com críticas às corporações por R$ 2 mil (uol.com.br)), a obra resgata o pensamento e tudo que Cobain resistia e defendia, fechando com chave com as palavras do baixista Krist Novoselic:
“Lembramo-nos de Kurt pelo que ele foi: afetuoso, generoso e terno. Guardaremos a música conosco. Nós a teremos para sempre. Kurt tinha uma moral em relação a seus fãs que estava enraizada no seu modo punk rock de pensar: nenhuma banda é especial, nenhuma música é rei. Se você tem uma guitarra e muita emoção, apenas bata alguma coisa com força e com vontade, você é o superastro. Plugue os tonso e ritmos que são universalmente humanos. Música. Que diabo, use a guitarra como um tambor. Capte um canal legal e deixe-o fluir de seu coração. Era desse nível que Kurt falava conosco: em nossos corações. É aí que a música sempre estará, para sempre.”
Mais Pesado que o céu tá disponível em pdf aqui: Livro Mais Pesado que o Céu ~ Nirvana Downloads (nirvanadownloadsfacebook.blogspot.com) então sem desculpas pra não ler!!