@tayrequiao 09/04/2024Vamos falar além do amor?Parece óbvio falar de amor ao comentar sobre um livro que se chama ?Primeiro amor?.
Sim, o livro vai tratar sobre a paixão e o amor, sentimentos tão complementares e conflitantes. Mas, o título é tão autoexplicativo que o leitor, em alguma medida, já espera por isso.
E já que tanto foi escrito sobre o amor - e suas consequências - te convido a analisar essa obra sob outro aspecto.
A história de Turgueniev tem como pano de fundo uma Russia que adotava um regime de servidão. Havia cerca de 22 milhões de servos no Império Russo, pessoas que eram privadas dos seus direitos mais elementares e eram obrigadas a trabalhar para os nobres durante a maior parte do dia.
Essa tema não é diretamente abordado na obra, mas vale a pena atentar para o paralelo sutil - porém, brilhante - criado pelo autor.
De um lado, temos a servidão óbvia, aquela mencionada acima, em que os camponeses russos eram subjugados pelo sistema.
De outro, temos os personagens da obra aprisionados por seus próprios sentimentos e convenções sociais, carentes da liberdade e autenticidade que deveriam possuir.
Veja bem: os personagens principais, Vladimir e Zinaida, estão presos em diferentes formas de servidão emocional. Vladimir está subjugado por sua paixão por Zinaida, que o deixa vulnerável e incapaz de agir livremente. Ele se torna um servo de seus próprios sentimentos, sacrificando sua independência e racionalidade em nome do amor.
Zinaida, por sua vez, embora pareça ter controle sobre Vladimir e outros admiradores, está presa às expectativas sociais e às convenções da época. Ela não pode ser verdadeiramente livre em suas escolhas, pois está limitada pelas normas que moldam seu comportamento e suas relações. Está ainda tolhida pelas marcas causadas pelo seu relacionamento com a mãe.
Ler ?Primeiro amor? apenas sob a ótica do amor é, portanto, perder uma camada importante da obra. É perder a chance de se questionar até que ponto você mesma não é aprisionada por aquilo que sente e por aqueles que te cercam.