Flávia Menezes 27/01/2023
CARTA ABERTA PARA O MEU PRIMEIRO AMOR.
?Primeiro Amor?, é uma novela publicada em 1860, e é um dos trabalhos mais celebrados do romancista, poeta, escritor de contos e novelas, tradutor, dramaturgo e divulgador da literatura russa no Ocidente, Ivan Sergeiévitch Turguêniev. Muito admirado por grandes nomes como Henry James e Gustave Flaubert, Ivan Turguêniev foi o primeiro autor russo a ser traduzido na Europa, e que, ainda em vida, foi reconhecido como um dos grandes escritores de sua época. Título esse que podemos compreender bem ao ler ?Primeiro Amor?, sentindo essa facilidade que o autor tem de nos seduzir com sua narrativa atraente e recheada de todas as grandes emoções do primeiro amor, com aquela pitada ácida das decepções que (inevitavelmente!) toda idealização romântica que essa fase tão gostosa da vida nos traz.
Quando vi a sinopse desse livro, me recordei de outro que recentemente li esse ano, ?O Amor de Mítia?, de Ivan Búnin, que também traz a trama sobre o primeiro amor de um jovem garoto de uma família tradicional russa, imponente, que se vê pela primeira vez na vida perdidamente apaixonado por uma garota envolvente, por quem seu amor é inteiramente devotado de tal forma que ele não passa um único segundo do seu dia sem pensar nela. Exatamente como acontece nessa novela de Ivan Turguêniev, porém, eu confesso que, para mim, Búnin foi bem mais profundo (e por isso, mais bem-sucedido) do que Turguêniev.
Com capítulos curtos, a leitura flui com tanta facilidade e agilidade que, se você tiver tempo, é possível ler em uma única tarde preguiçosa de domingo. Mas mesmo que você não o leia em uma "única sentada", e acabe fazendo como eu, e vá lendo aos poucos, saiba que a leitura não perde em nada seu encanto, porque é uma verdadeira delícia degustar aos poucos cada momento dessa descoberta do amor, de um garoto tão inexperiente nessa arte de amar, como é o caso de Vladímir Petróvitch.
Falar do primeiro amor é sempre um assunto tão gostoso por despertar essa sensação saudosista de quando éramos mais inseguros nesse terreno, mas ao mesmo tempo, mesmo com toda a inexperiência, tínhamos mais facilidades para nos lançarmos de braços abertos, porque ainda não guardávamos em nós tantas cicatrizes dos amores que não deram certo. E quer coisa mais gostosa do que poder se jogar sem medo, experimentando de forma tão única e poderosa cada pequena sensação que o nosso primeiro amor nos desperta?
E é isso o que essa história nos traz. Vladímir vai nos contando página por página sobre as emoções que a encantadora (mas também muito manipuladora) Zinaida, uma mulher mais velha do que ele, vai lhe despertando, e se convertendo nessa paixão é tão avassaladora que acaba por lhe cegar para muitas coisas que se passavam bem diante do seu nariz, porém que ele não conseguia se dar conta, mesmo sentindo que algo de muito errado estava acontecendo.
Esse clima de amor, misturado ao mistério que envolvia a sedutora Zinaida, é um tempero delicioso para manter a nossa atenção presa até o final, que traz um encerramento com tanta simplicidade, porém sem deixar de traduzir a grande genialidade do autor.
Muito embora a trama possa ser algo nada inovador para a nossa atualidade, na época em que foi escrita essa novela, falar sobre a forma como o primeiro amor de um amor pode ser tão arrebatador foi algo importante, e até bastante ousado. O que torna essa história ainda mais importante para o mundo da literatura russa.
Apesar de ser recente a minha aventura pelo universo dos autores russos, algo que pude ver tanto em Búnin quanto em Turguêniev, é essa narrativa carregada de intenções implícitas. Confesso que eu me sinto particularmente atraída por esse jogo de palavras que não deixa tudo explícito, porém, eu só senti que em alguns momentos isso aconteceu com tanto excesso, que não consegui compreender o que exatamente o autor quis dizer.
Sem querer traçar comparativos entre esses dois gênios, mas o que me faz amar mais Búnin do que Turguêniev, é que o último traz essas emoções do primeiro amor com um pouco mais de racionalidade, voltando-se mais para os acontecimentos, o que me fez desconectar um pouco com o que o protagonista estava sentindo em alguns momentos. Sem contar que, no momento do clímax da história, tudo acontece tão rápido, que senti como se estivesse vendo as cenas de dentro de uma locomotiva: apenas borrões que passam com tanta pressa, que ficamos nos perguntando se realmente aquilo aconteceu ou não.
Mas, uma coisa que realmente ganhou o meu coração nesse livro foi ver a admiração com que o jovem Vladímir falava do seu pai. Mesmo com todos os problemas que envolviam a família, a forma como ele olha para o pai com respeito e plena admiração é algo tão belo, que não há como não se encantar com o final cheio de reviravoltas que o autor nos oferece.
Para todos aqueles que já viveram esse momento do primeiro grande amor, e em especial para aqueles que já passaram por ele há bons anos, eu deixo aqui essa sugestão para que você possa se dar uma chance de parar um pouquinho nesse mundo adulto corrido em que vivemos, para lembrar de uma época em que as emoções eram tão puras, intensas e com um poder tão forte, que nos fazia acreditar que a vida não poderia ser melhor, mesmo sabendo que lá no horizonte, uma linha fatal das desilusões amorosas já começasse a se desenhar.