spoiler visualizarFabi_Colaco 03/06/2023
Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas Ordinária-1 Bjo no Asfal
Otto Lara Resende ou Bonitinha, Mas Ordinária
?É a desgraça do mundo, todo mundo com a razão."
Nelson Rodrigues já foi considerado o maior dramaturgo brasileiro do século XX, (hoje ele seria o mais cancelado dos escritores, especialmente por aqueles que não leem nada, mas amam criticar e cancelar), a fama do escritor se deve, principalmente, às suas peças teatrais. Seus textos, tanto a prosa quanto o drama, são caracterizados por uma linguagem simples, mas bastante crítica aos costumes e a moralidade da sociedade, além disso ele amava temas polêmicos, como incesto e adultério, por isso suas obras foram muitas vezes, acusadas de "obscenas, imorais e vulgares".
A capacidade dele de descrever a complexidade e escrachar a hipocrisia da sociedade brasileira continuam a influenciar escritores, artistas e pensadores até os dias de hoje. Seus textos eram recheados de humor, sarcasmo, ironia e o teor sexual perfeito para se converterem em sucessos e foi por isso que grandes sucessos de bilheteria foram baseados em seus textos, Bonitinha Mas Ordinária ou Otto Lara Resende foi mais um capítulo bem sucedido nesta história.
Essa peça escrita em 1962, conta a história de Edgar um jovem ingênuo e ambicioso que trabalha em uma firma e é apaixonado por sua vizinha, Ritinha, uma jovem bela e sedutora, professora que trabalhava arduamente para sustentar e cuidar de suas 2 irmãs mais novas e da mãe doente, e portando se negou a ter um relacionamento com ele, alegando não ter tempo para isso.
Em uma conversa com Peixoto, um amigo de trabalho, Edgar pergunta se ele conhece a frase ?o mineiro só é solidário não câncer? do jornalista mineiro Otto Lara Resende. Essa frase vai perseguir Edgar e a maioria dos personagens por toda a trama, pois, como ele passar a se questionar se as pessoas têm mesmo esse mau caráter anunciado pela frase? E se isso fosse verdade, estaríamos todos liberados para nos render à corrupção, sem mais nenhuma bandeira, e poderíamos nos vender por qualquer valor?
Edgard, recebe um cheque com um valor bastante alto para se casar com Maria Cecília, filha do milionário Werneck quem é o dono da empresa onde Edgar trabalha, pois a moça havia sido violada e certamente nenhum homem de ?bem? aceitaria casar com ela, além do problema moral de que casar por dinheiro ser errado, Edgar estava apaixonado por Ritinha.
Porém, a trama toma um rumo sombrio à medida que Edgar se envolve em uma série de situações comprometedoras e imorais para alcançar seus objetivos e também ele passa a conhecer mais a fundo o lado obscuro da vida de todos que passam a fazer parte de sua vida naquele momento.
Contudo, durante toda a trama, ele é perseguido pelo questionamento moral que testa seu caráter: depositar o cheque milionário ou queimá-lo. Se ele seguisse a segunda hipótese, ele provaria que Otto estava errado e além disso, teria a possibilidade de lutar pelo amor de Ritinha. Será que Otto estava mesmo errado?
Quando ele está ao ponto de rasgar o cheque, há uma reviravolta na história, ele descobre a verdadeira profissão de Ritinha, aquela que dizem ser a mais antiga das profissões, extremamente decepcionado, ele decide tentar a felicidade com Maria Cecília, que afinal era uma moça linda, fina, de família renomada, não seria difícil se apaixonar por uma moça assim, mas convivendo com ela, aos poucos ele vai conhecendo melhor a moça e começa a entender que ela não é tão ?pura e ingênua? quantos os pais dela pensavam, e além disso a moça tem desejos um tanto quanto nada ortodoxos. Ele acaba se tornando vítima da ganância, da manipulação e da moral distorcida de pessoas ao seu redor, incluindo seu amigo Peixoto e seu amor, a Ritinha.
"Bonitinha, mas ordinária" aborda questões como poder, corrupção, hipocrisia social e a luta entre o desejo e a moralidade. Ela é uma crítica forte à sociedade e às relações humanas, expondo a fragilidade moral do ser humano e a facilidade com que os indivíduos podem ser corrompidos pelo poder e pelo desejo. A peça desafia as noções convencionais de virtude e honestidade, retratando a hipocrisia social e a decadência moral em uma sociedade aparentemente respeitável.
Essa peça foi aclamada pela crítica e pelo público, consolidando Nelson Rodrigues como um dos maiores dramaturgos brasileiros. Sua obra continua a ser encenada e estudada, refletindo sobre as camadas sombrias da condição humana e questionando os valores e as aparências da sociedade. É uma peça provocativa e desafiadora que convida o público a refletir sobre a ética, a moralidade e a essência da natureza humana.
Algumas frases marcantes desse livro:
"A moça tinha duas mágoas, uma por ser pobre, outra por ser honesta."
"O dinheiro corrompe tudo. E quando não corrompe, deixa um rastro de suspeita."
"O amor é o maior dos partidos políticos."
"O desejo é a única verdade do mundo."
UM BEIJO NO ASFALTO
Nelson Rodrigues
Assim, aquele singelo beijo ganha as manchetes dos jornais e muda completamente a vida de Arandir!
Me impressionei muito lendo essa história porque, além de frases marcantes e tragicômicas, é meio assustar saber que ela foi escrita antes da era digital e mesmo assim, ela reflete muito bem as complexidades e as sombras da psicologia humana que ecoam nos tempos modernos e mais preocupante, não tenho certeza elas mudarão num futuro próximo.
Arandir que passou a ouvir as piadas de todo o tipo no ambiente de trabalho, era julgado pelos vizinhos e objeto de desconfiança da sua esposa, sem saber o motivo, ele se tornou uma presa fácil para o oportunismo de Amado Ribeiro, um jornalista astuto e desprovido de escrúpulos.
Embora o beijo tenha sido um simples ato de compaixão a um total estranho, esse gesto gentil e impulsivo a alguém a beira da morte, após ser atropelado, se tornou evidência ?concreta? de um crime com reviravoltas absurdas, onde nada nem ninguém é o que parece ser.
Apesar de essa ser uma história da década de 60, a transformação de Arandir de um homem simples em uma figura no mínimo controversa, cercada por suspeitas e hostilidades, me fez lembrar a rapidez com que as narrativas são distorcidas na internet nos dias de hoje.
O que era para ser um ato de compaixão, é reinterpretado de acordo com agendas e preconceitos da época, como nos casos em que postagens e comentários nas mídias sociais são retirados de contexto e transformados em armas de acusação. Este padrão de busca de atenção e exposição nas redes sociais, refletem uma dinâmica comum na era digital, no entanto, lendo esse livro, percebi que Nelson Rodrigues, que emerge do passado com suas reviravoltas e ironias, me fez refletir sobre como a manipulação da informação e a exploração das fragilidades humanas têm raízes antigas e profundas na natureza humana.
Sobre os personagens, um dos grandes destaques certamente é o jornalista, Amado Ribeiro. Desprovido de qualquer humanidade no trato jornalístico, ele não precisou de qualquer incentivo para tomar as decisões que tornaram a vida de Arandir e de sua família em um verdadeiro inferno. Pelo contrário, ele é quase um gênio do mal, que age reforçando psicologicamente no Cunha, o delegado que investiga o caso, todas as suas ideias de tornar aquele ocorrido em uma tragédia policial muito suculenta a partir da qual ambos poderiam obter prestígio e reconhecimento social, nos dias de hoje, podendo ser traduzido como ?seguidores, likes, retweets e visualizações?.
Outra personagem que também sofre uma transformação é Selminha que no início era uma esposa apaixonada, dedicada, amorosa, numa vida feliz. Porém, com as notícias, comentários do pai, dos vizinhos, começa a duvidar se seu marido é realmente heterossexual. Desacreditando dele, Selminha fica com nojo de beijá-lo e, apesar de sofrer, recusa se encontrar com ele novamente.
Me diverti muito vendo a reviravolta de personagens menos importantes, mas que ao longo da trama, vão revelando seus segredos e consequentemente fazendo o leitor entender os motivos que os levaram a interpretar os fatos da forma que o fizeram e não de forma imparcial.
Dalila, por exemplo, era a irmã mais nova de Selminha, que vivia bem na casa com o casal e eles tinham um carinho muito grande por ela. No final da trama, ela vai até onde Arandir estava escondido, e declara seu amor por ele. A viúva do morto, que pressionada pelo delegado Cunha e o jornalista Amado Ribeiro, acaba declarando que Arandir já conhecia seu marido falecido. O morto, que foi atropelado pelo bonde, e ao ser ajudado por Arandir, que assistiu o acidente da esquina onde esperava para atravessar a rua, pede um beijo a ele, na hora que estava falecendo. Não tem nenhuma ação, mas é o personagem que desencadeia toda a trama. Aprígio, pai de Dália e de Selminha, passa a história toda sendo contra Arandir, mas no final, declara seu amor por ele. É, portanto, ele era o verdadeiro homossexual da obra.
Esse livro nos convida a ponderar sobre a rapidez com que as percepções podem ser distorcidas, como as vidas podem ser alteradas irreversivelmente por uma reviravolta inesperada, e como a busca por notoriedade pode revelar a falta de empatia e a exploração do infortúnio alheio.
"Um Beijo no Asfalto", é uma trama de manipulação, sensacionalismo e reações impulsivas, que nos convida a examinar nossas próprias ações e comportamentos seja na vida real ou online. Ela nos lembra da importância de enxergar além das aparências, de buscar a verdade por trás das narrativas e de cultivar a empatia, especialmente quando as vidas e reputações de outros estão em jogo.