Wagner47 24/05/2023
Os detalhes conduzem à virtude e à felicidade
Em uma sociedade onde os seres humanos são "produzidos" em larga escala, o foco é a estabilidade. Tendo Ford como imagem máxima (inclusive os anos sendo contados em Depois de Ford), o livro se passa em uma Londres futurista que, assim como no mundo, divide a sociedade em castas (Alfa, Beta, Gama, Delta e Ípsilon em diferentes níveis), diferenciando-os pelas suas funções e pela cor de suas vestes. A partir da engenharia genética, tais indivíduos já são definidos durante sua concepção em laboratório, utilizando-se de clonagem e condicionados a serem o que são. Pai e mãe são termos proibidos (assim como o amor) e o sexo é estimulado desde a infância.
Aldous constrói e nos apresenta uma sociedade muito equilibrada e muito bem dividida, onde todo mundo é de todo mundo e a harmonia reina. Apesar de produzidos, continuam sendo seres humanos com seus sentimentos, por mais que tenham sido condicionados a alguns desde o seu nascimento. Entretanto, durante esse processo, alguns saem um tanto quanto falhos e a partir daí acompanhamos Bernard Marx, um alfa-mais (uma das mais altas castas) com aparência de gama e oferece certa resistência quanto aos meios impostos desse mundo.
Em determinada região chamada Malpaís, há os Selvagens. É um grupo de pessoas isoladas que vivem conforme querem viver, onde a natalidade não é controlada e feita de forma natural, cada um seguindo suas tradições, cultos e culturas. A partir de uma descoberta feita nessa terra e com as autorizações certas, Bernard leva os Selvagens John e sua mãe Linda para a cidade.
John é diferente dos demais Selvagens. Sendo muito bem instruído e viciado em Shakespeare, não possui tanto acolhimento em sua própria terra, portanto partir para um outro lugar poderia ser algo positivo.
Oh, admirável mundo novo!
Mas seria esse choque de culturas tão benéfico assim?
Uma coisa que sempre ouvi falar desse livro é como o início é mais difícil. Acredito que o termo que melhor se encaixa aqui é "confuso", uma vez que recorre à tecnicidade dos termos para apresentar ao leitor seu funcionamento. Apesar de muitas explicações, o autor sabe muito bem manter a fluidez, mudando cenários na velocidade da luz e conseguindo deixar o leitor a par de tudo mesmo assim.
Acredito que o autor poderia dar mais ênfase à rivalidade de Bernard e o Diretor de Incubação e Condicionamento (D.I.C.). A informação recebida e que viria ocasionar diversos desdobramentos foi feita de uma forma jogada. Há momentos também que surgem novas explicações de funcionamento, sendo que poderiam ter sido feitas lá no início e focar mais no Selvagem John conhecendo e se inteirando do novo ambiente.
O clímax e o final são maravilhosos. Há um diálogo sobre a felicidade, Deus e próprias escolhas tornando tudo o que veio antes ainda mais grandioso. Ok que uma situação ou outra é um tanto quanto exagerada (como o fato de experimentarem algo e descartarem só porque não deu certo com seres condicionados a outras coisas), mas de forma geral chega ao ponto de ser contemplativo.
O encerramento é bem corajoso também.
Foi uma leitura bem proveitosa e até que fácil para o gênero, mostrando uma sociedade estável e em que seus indivíduos nem percebem que estão infelizes, apenas que estão confortáveis. Indivíduos que nunca optaram por Deus, pela poesia, pelo perigo autêntico, pela liberdade, pela bondade.
Pelo pecado.
Pelo direito de ser infeliz.