spoiler visualizarViquinha 28/01/2012
Ishq & Mushq - Amor & Cheiro, Priya Basil
Já no primeiro capítulo fui capturada pela narrativa que combina na mesma receita ingredientes nobres ( história, cultura, amor e sabedoria) com outros um tanto quanto indigestos (preconceito, discriminação, mentiras e culpas). Pelo domínio na condução da trama, Priya Basil não deixa o caldo entornar. Seus personagens encaram, cada um à sua maneira, os sabores e os dissabores típicos do cotidiano.
A título de informação, ishq e mushq - Amor e Cheiro é um romance geracional. Compreende três gerações das respectivas famílias de Karam e Sarna. È também de natureza migratória. Começa na Índia e, depois, transporta-se para África e Grã Bretanha. Gira em torno de Sarna, uma Sikh que leva consigo um segredo do passado que lhe corrói a alma a ponto de afetar todo o seu entorno familiar. Rainha da arte culinária, ela usa a força emotiva contida nos alimentos para exprimir e reprimir os seus próprios sentimentos. A perícia com os alimentos se dá na mesma proporção com que manipula o outros. Só lendo para constatar o quanto Sarna é sui generis. Aliás, são poucos os personagens que vilanizados conseguem manter o carisma de pé. Suas crueldades de tão toscas e impulsivas chegam às raias do risível. Para quem está de longe, ela parece divertida. Todavia, impossível conter o repúdio ante os seus exageros culinários recorrentes, como por exemplo, a obsessão em fazer doces na tentativa de conter o amargor do passado.
De todos os sentimentos que nutri, venceu a empatia. Sim, odiei Sarna e Karam em certos momentos. Mas, em outros, fui tomada de compaixão. Aliás, não falei nada sobre Karam. Segue uma pitadinha de sua história: Foi sequestrado e quase morreu em um campo de refugiados na Ìndia. Após essa experiência, viaja sem parar pelo mundo tentando tomar parte nos grandes acontecimentos da história. Só para constar, a história que dá mesmo pano pra manga, é a dele com Sarna.
Dignos de nota são os vários personagens que passam pela trama: Mina Masi, Ok, Persini, Guru, Suki, Nina. Com passagens breves, mas não menos importantes, deixam o seu recado. Dadas as cincurstâncias tão próximas a muitas das quais vivi e presenciei, fui levada a rir e chorar com eles, especialmente, com Nina.
Ao término da leitura, fica a constatação de que é possível entregar-se ao sofrimento de tal maneira a prender-se a ele por toda a vida. Para libertar-se talvez seja preciso muito Ishq (amor) por si e pelos outros. Nem sempre basta. É preciso cuidado, pois basta um Mushq (cheiro) arredio no ar para mudar tudo. Não tem remédio, pois como diz o mote do livro: "Só há duas coisas que não podem ser escondidas: amor e cheiro".
Fazendo uso de imagens fortes bem como de um ritmo poético envolvente, Priya Basil explora a liberdade ficcional com muita imaginação. Uma boa pedida para os amantes do Realismo Mágico.
E pensar que esse livro não estava em meus planos de leitura! Só pode ter sido isso: maktub.