Alessandra 29/12/2009
O Menino de Ouro
Quem viu o filme A Menina de Ouro ou leu o livro, e leu também a Trilogia Autobiografia de Máximo Gorki, vai entender a comparação, embora o primeiro trata-se de um drama fictício e o segundo da vida real, ambos ficção e realidade abordam o mesmo tema — a força visceral, colossal que é capaz o ser humano em meio as torrenciais tempestades da vida.
Sem proteção de pai, nem amor de mãe, um menino, abandonado a própria sorte contando apenas com a avó, infelizmente por um curto período de sua vida, a única fonte de amor para a criança, Gorki. Uma avozinha analfabeta, doce, meiga, uma pessoa notavelmente bondosa, de imensa generosidade, “interessantíssima”, tão admiravelmente humana; talvez tenha sido ela a responsável ainda que sem perceber em evitar que Gorki tenha entrado na marginalidade, que insistentemente a vida em muitas situações desesperadoras de extrema e cruel miséria tantas vezes tentou empurra-lo.
Uma obra permeada de paixão, sofrimento, amargura, revolta, e ao mesmo tempo lirismo, toques de humor e muita observação sobre a condição humana e afiadíssima critica contra a injustiça, a crueldade humana; nela se pode perceber um Gorki sensível, inteligente e generoso, que tem um olhar apaixonado pela natureza, os animais, as pessoas, a alma humana, as coisas...
Um homem que atravessou o inferno, mas sobreviveu; uma trilogia humana e comovente, porem um relato duro e cortante, e ao mesmo tempo de uma beleza e sensibilidade tocante, especialmente quando o autor relembra saudosamente a avó...
É possível perceber em alguns momentos uma leve melancolia do autor, esta sufocada por uma revolta contra o egoísmo, a crueldade e a mesquinharia humana, ao recordar suas experiências passadas.
Um menino que passou pelas camadas mais pobres e rudez, que chegou a passar meses lavando fradas num rio quase congelado em troca apenas de comida, que sonhava em estudar, em cursar a universidade, e mal conseguiu terminar o primário; que compensou esta deficiência lendo livros e mais livros; que não teve infância, nem adolescência, passou fome, frio, sofreu a solidão, lutou contra o desanimo o desespero, que muitas vezes esteve perto de um fim trágico.
É incrivelmente surpreendente que tenha sobrevivido a tudo isso, e se tornado um grande escritor; que passou por uma miríade de profissões, muitas vezes braçais, pesadas demais pra um menino, explorado, se matando de trabalhar e ainda passando necessidades...
Para mim a Trilogia Autobiográfica de Gorki é uma lição de vida, amor e fé, revelando uma força inesgotável, um exemplo de coragem e caráter; e Ganhado Meu Pão, o segundo volume é admiravelmente bem escrita, num momento de muita inspiração, revelando um grande talento do escritor ao usar a pena. A Trilogia não é de forma alguma, mas poderia ser um grande livro de auto-ajuda. Depois de ler esta Trilogia Autobiográfica, meses depois eu já havia lido toda a Obra de Máximo Gorki traduzida para a Língua Portuguesa, faltando somente o livro: Lenine.
Toda a sua obra é repleta de sensibilidade, humanismo, generosidade para com a vida, a natureza, o homem e em especial e principalmente a mulher. Máximo Gorki era feminista, pois suas obras sempre de uma maneira ou de outra eleva a mulher, enaltece suas qualidade se mostrando condescendente, sensível e devotando profundo respeito e admiração a mulher, e demonstrando um grande pesar ao saber que existiam mulheres que ainda se colocavam na condição de meros objetos de “diversão para os homens” como ele mesmo cita isto na Trilogia e também em muitas obras que saíram da sua pena.
Gorki se vivesse em nosso tempo é quase certo que seria também um ativista ecológico, pois há descritivas, belas e românticas passagens suas sobre a natureza, sua beleza e valor.
Alias em carta sua a Lenine (esta que faz parte de outra obra). O escritor se mostra preocupado com o desperdício e a importância do reaproveitamento de materiais de demolição. Isto era admirável numa época que não se previa as conseqüências catastróficas da poluição, destruição da natureza, e importância fundamental da reciclagem para a preservação de recursos naturais. A preocupação do escritor não era com a destruição da natureza não era possível prevê isso, mas sim com o povo. É criticava que era justamente as pessoas mais pobres que moravam em casas simples, muitas vezes com as janelas faltando vidros em pleno e rigoroso inverno russo, estas justamente que ao demolirem uma construção para ser erguida outra, não se interessam em aproveitar os materiais das construções antigas.
Mostrava grande preocupação com a necessidade do governo reduzir gastos desnecessários quando o povo ainda vivia na pobreza.
Sem duvida Gorki não era uma pessoa comum e estava à frente de seu tempo, muito informado sobre sua época, admirava imensamente a ciência e tudo que ela poderia trazer de frutífero para a sociedade, tenha uma paixão desmedida pela literatura, se tornou intelectual apesar do meio social miserável em que nasceu, e viveu por muitos anos, e muito contribui nesta área com suas obras e principalmente valorizando e organizado obras de outros escritores e personalidades. Um homem que via a importância das crianças conhecerem a vida de Edison, Darwin, Garibaldi e Beethoven entre tantas personalidades importantes.
Sobre todos os aspectos Gorki foi um homem extremante interessante, admirável, sensível. Ainda que tenha cometido erros, vivendo numa época conturbada e de grandes transformações políticas, que seja visto com maus olhos por alguns por ter travado relações com Stálin, este que Gorki nunca admirou, nem foi amigo, alias amizade e admiração ele nutria pro Lenine, mas que devido a sua visão humanista não aceitava a mão de ferro dos bolcheviques, que intercedeu ao governo de Lênin, para salvar artistas e intelectuais que dirá aceitar ele, Gorki uma ditadura de Stálin, com caráter tão oposto a ele. Gorki que não aceitava como também ficava chocado com a violência.
Vale lembra que Gorki foi exilado da Rússia, e mesmo quando Lênin estava no poder, Gorki não voltou definitivamente a Rússia, só retornando quando Stalin estava no poder. Porém Gorki já era idoso, bem doente e abalado com a morte de seu filho, já não percebendo com nitidez o que se passava na Rússia.
O que se pode tirar da Trilogia Autobiográfica de Máximo Gorki, assim como em toda a sua obra, é o que existe de mais vil e indiscutivelmente o que pode existir de melhor, mais belo e admirável no ser humano, e trazer este questionamento para sua vida é de uma grande lição. Não é a vida de um homem acima do bem ou do mal, uma pessoa perfeita, um herói, mais sim a vida de um Aleksiéi que lutou com integridade uma vida interia, sem esquecer do seu semelhante, e no final venceu, apesar de tudo.