Mais ao Sul (Ponta de Lança)

Eis que chega uma ficcionista... e sem alarde. Vem nesses contos em surdina – textos que parecem guardar um veio misterioso a percorrer o livro inteiro. De onde desponta uma espécie de unidade assim tão rara? Certamente não das tramas ou cenários, pois esses externam as inclinações mais díspares. Também no mundo dos personagens existem os mais diversos temperamentos, a compor histórias geralmente submersas, numa linguagem que oculta mais do que revela. A unidade nasce, sim, de um núcleo de evocação renitente, fosca, inspirando os passos lentos do bordado narrativo - tom que percorre esses relatos singulares, deixando seus rastros de melancolia. Vemos em "Mais ao sul", sim, variadas criaturas. Como um velho imigrante em Buenos Aires às portas da morte, ou um casal de sul-americanos vivendo em Londres, ou ainda uma criança na praça do Lido, insinuando-se entre os exílios dos pais num apartamento carioca. As identidades dessas figuras estariam ancoradas não exatamente no irredutível de cada um, mas no reinado incomunicável de algumas das mais populosas metrópoles do Planeta. Por se sentirem mergulhados nos desmedidos corpos urbanos, os narradores, ao longo dos relatos, nos oferecem um certo esvanecimento. A cada final de fábula, como que escutamos mais uma vez o frio silêncio da espera, entre uma realidade ficcional e outra. O livro traz seres saudosos de qualquer coisa que não se fixa. Quando estão em Londres parecem sentir uma aguda falta para além do Brasil ou da Argentina. Uma falta surda, embora sempre pungente... Eis uma nova escritora, Paloma Vidal. Que chega com um testemunho denso de humanidade. Em uma linguagem de astúcia discreta, furtiva, que soube se preparar para o contato com as mãos do leitor, assim tão viva e permanente.

Contos