Em Mrs. Dalloway, livro publicado em 1925, Virginia Woolf emprega algumas das técnicas narrativas às quais deve sua posição de grande renovadora do romance do século XIX, ao lado de Marcel Proust e James Joyce. Não é mera coincidência, aliás, que o romance da escritora inglesa se passe inteiramente num único dia de junho, assim como Ulisses, de Joyce. Esse recurso, que no escritor irlandês confere conotações épicas à vida do homem comum, adquire na narrativa de Virginia Woolf uma incomum densidade psicológica. Do momento em que sua protagonista sai de casa para comprar flores (pois dará uma recepção em casa à noite) até o momento em que acontece a festa, desenham-se paisagens mentais que envolvem questões ou hesitações existenciais de Clarissa Dalloway e das personagens que refletem seus fantasmas amores do passado, homossexualismo, sequelas da guerra, loucura, banalidade cotidiana. São os fantasmas que se materializam ao longo desse dia, tanto no plano da ação romanesca quanto nos fluxos de consciência e na temporalidade cinematográfica (flashbacks e cortes alternando os pontos de vista das personagens), que fazem de Mrs. Dalloway um retrato interior de sua época. Manuel da Costa Pinto Crítico literário e colunista da Folha
Ficção / Literatura Estrangeira / Romance