Não arranquem os vermes de mim conta os passos que levam a protagonista da infância até “a noite mais escura”, cheia de suspense e poesia, apresentando-se como romance de formação. É uma narrativa que embala o leitor, cativa pela linguagem apurada, plena de cadências, de cores e de espaços de respiro. Não é apenas no trato da linguagem que a poesia se faz presente: os rastros do poema Lady Lazarus, de Sylvia Plath, nos levam a ápices de beleza e desconforto. As imagens poéticas adensam a construção da personagem narradora, cuja voz, plena de delicadeza e também de opacidade frente ao vazio existencial, nos convence e seduz de um ponto a outro do texto. A imersão nessa voz feminina nos coloca a par de uma sucessão de fracassos, abandonos, violências e traições. Vemos uma jovem cuja beleza a atrapalha na tarefa de amar, criada pela avó para reproduzir a austeridade com a limpeza de casa e o papel de coadjuvante na família. Sem perspectiva de estudo ou profissão, a ela lhe são concedidos momentos de prazer apenas nos bingos da igreja: a personagem põe a nu todas as pressões do patriarcado e encara a necessidade de construção de si em condições adversas.
Passeamos por um passado mais ou menos distante do qual se desentranha um pano de fundo complexo, no qual acontecimentos dramáticos são narrados com aparente banalidade, e vice-versa. Há um clima de suspensão e de iminência do trágico, a todo o tempo, convivendo pacificamente. Manter o suspense em um clima de vazio e de solidão é uma tarefa difícil, e que Anderson Bernardes realiza com muito êxito.
Ficção