Este Noite Fria, de Eluando Cascardo, é um livro no mínimo curioso: logo de en - trada, em “Lânguido Tédio”, você é levado a acreditar que se trata de poesia antiga, letras mortas e condenadas ao esquecimento pela nossa época tão cheia de tecnologices nem sempre tão modernas. Puro engano. Esta é, na verdade, de uma das maiores virtudes do autor: Cascardo manipula, com maestria, o poema e sua estrutura, e nos convida desde o início a entrar num jogo cujos resultados serão sempre imprevisíveis. O poeta aqui não tem nenhum pudor em convocar o fantasma de Augusto dos Anjos para auxiliá-lo na difícil tarefa de despir o soneto — isso mesmo — de suas roupas velhas e emprestar a elas um raro frescor que há muito não se vê na poesia brasileira. E não pensem que esse é apenas um recurso de estilo sem terceiras intenções: Cascardo conhece muito bem o gênero com o qual está lidando — e por isso reinventa, renova, e nos afaga com a mesma mão com que zomba de tudo — da literatura, inclusive. Não se trata, entretanto, de um livro de sonetos, apenas. Noite Fria passeia por vá - rias outras poéticas, dicções, tudo costura - do com a amarga agulha do desencanto — mas pontuado por um no humor que só aos raros é dado reconhecer. Sabedor do seu papel nesta nau de loucos, o próprio Cascardo dispara: “Pois o poeta, hábil ilusionista/ Mago das pala - vras, bruxo, alquimista/ Sem encanta - mento, sem matéria-prima/ Faz de seu vazio, impossível rima”. Este, caro leitor, é o X da questão. Sorte sua. {CLAUDIO PARREIRA}
Poemas, poesias