Roberval é um malandro. Vive de trambiques, pequenos golpes, furtos aqui e ali. É tipo de bandido que leva bilhetes carregados de metrô e dízimo da caixinha do altar. É um sobrevivente e nunca vai chamar atenção da polícia. Mas todo trambiqueiro tem lá seus momentos de entressafra. Mesmo os trambiqueiros brasileiros. Nessas horas, ele volta a pensar em arrumar um emprego.
E - grande coincidência - bem nas vacas magras surge uma agência de empregos na rua de trás de sua casa. De terno ensebado e currículo nas mãos ele entra naquele insípido e estéril ambiente. As paredes são brancas, a mesa de tampo de vidro branca, a cadeira onde ele se senta, o tapete, o chão e o teto, tudo reluz. E atrás da mesa, um simpático velhinho o recebe, mas sequer olha para seu currículo. Roberval sai de lá com o endereço de seu novo emprego e a impressão de que ele pediu R$ 20 mil de salário, mas não tem certeza se nada daquilo é de verdade.
O endereço do emprego o coloca frente a frente com uma casa gigantesca. Ocupa um quarteirão inteiro. A porta, de grandes painéis de vidro se abre revelando um luxuoso interior. Lá dentro está sua tarefa: apertar um único botão vermelho uma única vez ao dia. A casa, apesar de ricamente decorada e mobiliada, não tem vida. Não tem televisão ou rádio, telefone, livros, discos, nada. Uma cozinha enorme, uma despensa com todos os produtos que podia imaginar e uma piscina olímpica são seu único conforto. No mais, ali impera o silêncio.
De posse de seu primeiro salário pago adiantado, ele corre para o bar. Os outros picaretas do bairro logo o limpam. Liso, ele volta para a casa para ver se ainda tem um emprego lá.
Como ninguém lhe explicou o que podia e o que não podia, Roberval resolveu ficar por ali mesmo. Sua família não liga muito para ele e, sem grana nenhuma, tem um teto e comida à vontade.
E então ele percebe que o silêncio ali é mais presente do que ele acha possível. O silêncio logo se torna o Silêncio, com maiúscula. Um personagem que não dá paz a Roberval. Um Silêncio intenso, dominador. Sem outros recursos, Roberval, nosso semi-herói batalha com esse demônio a espera do seu pagamento. E quando ele achava que não poderia ficar pior, entende que ali não é só o Silêncio que manda. Manda também o Tempo.
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