Vez por outra a gente percebe que um poema, o texto literário, pode não conter poesia. Pela mesma forma a gente consegue sentir poesia num pôr do sol, numa saudade, numa música, no tanino do vinho, na fotografia, numa cena que nos toca. Então, se assim sentimos é assim que sabemos poesia [i]O Giz do Alfaiate[/i] busca este sentido poético, tentando trazer o texto para mais perto do que nós sentimos da poesia.
Neste momento em que o ódio tem encontrado tanto compartilhamento, a poesia pode nos trazer uma pausa para refletir sobre a natureza de nossas humanidades.
Os encantos e/ou espantos que sentimos estão no cotidiano, no mundo real, e não no Olimpo. A banana podre de Ferreira Gullar, a pedra de Drummond. São emoções - de quem escreve e de quem lê - que dão forma, cor, relevo, profundidade e significado à poesia. Assim, cada momento poético aparece como um recorte emocional, que pode reverberar contextos político, social, ecológico, amoroso e de grande prazer.
Meu pai - Seu Tonim - era alfaiate. A profissão também deixa saudade. Gostava de vê-lo tirando medidas e desenhando ternos com gizes de várias cores. O traço definia a arquitetura do corte. Lembro-me virava noites trabalhando e eu ia dormir ouvindo a unha grande e dura marcando o tecido sobre a bancada, o talho preciso da tesoura, a veloz agulha da máquina de costura. coisas emocionais que ainda saem dos olhos. Talvez tenha sido este o principal recorte que alinhavou meu encontro com este livro.
O corte, a ferida.
A vida é pano de fundo. O poema tem o giz. Mas a tesoura, esta cada um tem a sua, dando assinatura ao traço da palavra. A cicatriz.
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