Em 1966, em pleno regime Salazarista, Bernardo Santareno trabalha em cima do romance homônimo de Camilo Castelo Branco que se inspirara na história do dramaturgo português seiscentista António José da Silva, conhecido como "o judeu", e cria aquela que tem sido, ao longo dos anos, considerada a melhor peça de teatro portuguesa do século XX.
Ao contar a história do dramaturgo António José da Silva, Bernardo Santareno estabelece uma alegoria do regime Salazarista e da sua perseguição a qualquer tipo de discurso livre. A Inquisição, o tribunal, a escumalha de denunciantes e afins que condenam António José da Silva à fogueira nó século XVIII têm evidente paralelo na ação da PIDE e na censura ideológica e política, bem como no regime opressor. Se Camilo criara um romance de época que era uma grande saga familiar sobre um país de extremos, mas também sobre a opressão, Santareno cria, no molde do teatro épico de matriz brechteana, uma peça eminentemente política na acepção pura da palavra.
O autor tamém serve-se de textos originais de outros autores, tanto seus contemporâneos como da época evocada. São textos originais de António José da Silva, do Cavaleiro de Oliveira, de Luís António Verney, de D. Luís da Cunha, Livros Sagrados Judaicos, textos dos Processos Inquisitoriais, de Regimento do Santo Ofício, de Samuel Usque, do cardenal Cunha, de Ribeiro Sanches, de António Ferreira, de Sebastião de Carvalho e Melo, de Vilhena Barbosa, de António José Saraiva, uma pragmática d´El Rei D. João V, uma carta de Alexandre de Gusmão, um despacho datado de 1747 e dirigido ao Governador de Angola, etc. Estes trechos aparecem assinalados entre aspas, mas também diluídas nas muitas linhas mestras de Bernardo Santareno, que dá nova função significativa como elementos constitutivos de outro texto.
Ficção