Sei que vai ter gente me chamando de louco e mentiroso. Entretanto, posso jurar, o que vou contar aconteceu de verdade, não é ficção, não é nenhuma história inventada por mim. Aconteceu no duro, na minha carne, na minha cabeça, nas minha entranhas. Queria ver você, leitor, na minha pele. Queria ver você acorrentado, tomado porrada, sentindo medo. Medo, por exemplo, de ser castrado. Medo, por exemplo, de simplesmente sumir, perder a própria identidade, virar uma espécie de fantasma que ninguém enxerga.
Mas nem tudo foi desgraça na minha desatinada experiência pessoal. Ao contrário! Viajei, namorei, ouvi boas histórias e voei nas asas do inexplicável. É verdade que fiquei incapaz de simplesmente falar; que fui prisioneiro de bandidos sequestradores; que colaborei, contra minha vontade, com um bando de enganadores do povo e que, confesso, alunas vezes abriguei dentro do peito a vontade de morrer e acabar com tudo. Fora isso, vi com meus próprios olhos uma cabeça decapitada mexer os olhos e dar conselhos, fui obrigado a bancar o artista, tive o desprazer de participar de uma espécie de lua de mel pública, quase morri atropelado e, graças a tudo isso, construí uma linda e solida amizade. Preciso dizer ainda, leitor, que senti enfiado na carne, um milhão de vezes, o prego sujo e enferrujado da solidão.