O outro lado do tanque: Conto Coleção Identidade

A partir do presente melancólico, o passado apagado de uma avó com Alzheimer é reconstruído através de fragmentos de lembranças da neta. A memória é tema e fio condutor da narrativa.

“Minha querida, você vai daqui a pouco? Pode me dar uma carona? Eu moro do outro lado do tanque, mamãe está sozinha, é tarde, e ainda tenho relatórios para finalizar.” Minha amiga respondeu solícita que sim. Conversaram por mais alguns minutos e ela foi até o quarto onde eu procurava, em pastas no alto da estante, um ensaio sobre a peça do Nelson que ela pretendia montar. No rosto de minha amiga, um sorriso entre o incrível e o incrédulo.
“Tô pasma. Você nunca me falou que tinha bisavó! E que sua avó ainda trabalha!” Eu tinha vinte e três anos, filha temporã de pais quatro décadas mais velhos do que eu. Em menos de um segundo a resposta escapou de entre lábios, cerrados num sorriso sarcástico. “E olha que a atriz é você!” Não que a situação fosse cômica, na verdade era trágica. Mas nós já estávamos acostumados. “Vovó tem Alzheimer. Não percebeu, né? E provavelmente te pediu carona.” A amiga concordou, ainda espantada. “É incrível, conversei com ela por quase meia hora, falou do escritório, da mãe, do curso de aquarela, da casa do outro lado do tanque... achei de um tremendo senso de humor, uma referência muito bem sacada para a Lagoa!” De novo, Vovó levara no papo mais uma das dezenas de pessoas que, como abelhas, se aproximavam, atraídas por um quê inexplicável que escorria daqueles olhos azuis violeta. (...)”


Este conto faz parte da Coleção Identidade. Saiba mais em www.amazon.com.br/colecaoidentidade

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