O pior lugar que eu conheço é dentro da minha cabeça

O pior lugar que eu conheço é dentro da minha cabeça Mario Bortolotto


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O pior lugar que eu conheço é dentro da minha cabeça





Neste O pior lugar que eu conheço é dentro da minha cabeça, Bortolotto teve a manha de encarar sem medo seu universo pessoal, para dele arrancar um conjunto de poemas comoventes, em que “pessoas destruídas pelo tempo/ ainda podem conviver com o perigo/ como velhos tênis/ presos pelos cadarços/ em fios de alta tensão”. Se em Um bom lugar pra morrer, de 2010, Bortolotto confessava com falso pudor, e muito humor, sua tristeza, neste livro novo a melancolia já se espalhou por todos os cantos da vida desse homem com um “senso de humor muito esquisito”, que presta atenção em jardins infestados de “formigas argentinas” e “chora baixinho vendo shows de Linda Ronstadt”, numa São Paulo tão fútil quanto violenta, onde “Crianças afogam suas inocentes expectativas/ Num lodaçal de sangue”, ele se sente velho, sem esperanças, em extinção. No entanto, a espada de Dâmocles não está mais sobre a sua cabeça. “Não gozo mais da sorte dos que têm algo a perder”, diz em “Domingo de Páscoa”. O poeta que emerge dessas páginas é um sujeito solitário — a solidão diante da morte cada vez mais próxima talvez seja o tema central do volume—, e o fato de ele estar boa parte do tempo rodeado de amigos não configura nem de longe uma contradição: “Tenho alguns amigos que não saem do bar/ eu confesso que tenho certa dificuldade de voltar pra casa”. Mas neste livro também há espaço para a alegria: “às vezes até me sinto feliz/ quando consigo chegar em casa/ e me deito sozinho na cama do meu quarto escuro/ e a gata vem e fica garimpando/ um lugar quente entre os furos das minhas meias/ nos dedos dos meus pés”, para o desejo: “Mais luxuriante que calcinhas dançando na máquina de lavar”, para a surpresa: “um anjo pisca pra mim de dentro de um vitral” e para a delicadeza: “Agora a neve está caindo/ onde você está dormindo”. E para este lindo verso sacana, atravessado de ironia dylanesca: “Eu sei de todo o perigo que uma jaqueta de couro pode esconder”. Formados por uma única estrofe de versos longos e firmes, escritos num português coloquial sem culpa — embora aqui e ali salte uma expressão mais elevada, sempre autorizada pelo mergulho do pensamento em alguma zona pouco cotidiana —, os poemas deste livro soam como preces de um ateu que ainda acredita no sagrado que habita o seu inferno particular.

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