O ano de 1788, a rainha de Portugal, D. Maria Vitória, viúva de D. José I, foi a Madri, sua terra natal, em visita ao irmão - o rei Carlos III. Dessa visita resultou um tratado de paz, selado com dois contratos de casamento. A Espanha daria ao príncipe D. João, neto da rainha Vitória, a princesinha D. Carlota Joaquina. Portugal daria ao príncipe D. Gabriel, filho do rei Carlos III, a princesa D. Mariana Vitória, irmã de D. João e neta de D. José I. Era, como se vê, um negócio de família…e também de Estado.Na época do ajuste, a princesa espanhola tinha 8 anos de idade e a portuguesa apenas 15. Os preparativos para o casamento duraram quase dois anos, pois essas cerimonias dependiam da execução do “Tratado Político” assinado pela rainha Maria Vitória, de Portugal, e pelo rei Carlos III, da Espanha. Somente em 17 de março de 1785 é que o conde de Louriçal, ministro português em Madri, pediu oficialmente a mão da princesinha, já então com 10 anos, para o príncipe D. João. Ao mesmo tempo, o conde Fernan Nunes, embaixador espanhol em Lisboa, com toda a solenidade, pedia a mão da infanta portuguesa D. Mariana Vitória, então com 16 anos, para o príncipe D. Gabriel.Efetuados os dois contratos nupciais, através de procurações dadas aos respectivos embaixadores em Lisboa e Madri, combinou-se que a apresentação das meninas aos respectivos noivos se faria na cidade portuguesa de Vila Viçosa, próxima à fronteira com a Espanha. Aí, em 8 de maio de 1775 Carlota Joaquina recebia em casamento o príncipe D. João, enquanto Mariana Vitória se tornava esposa do príncipe Gabriel. No dia seguinte realizaram-se a confirmação nupcial e a bênção apostólica, dada pelo cardeal patriarca aos dois casais de príncipes.Carlota Joaquina casara-se , pois, com 10 anos de idade enquanto que o marido, o príncipe D. João, contava 17 completos.Os festejos duraram quatro dias, achando-se presentes as duas famílias reais, a de Portugal e a de Espanha, bem como a fidalgaria e a burguesia rica de ambos os países.De dia, realizavam-se festas, torneios, touradas; de noite, reuniões musicais, que naquele tempo se chamavam serenins, bailes e representações alegóricas e líricas.Depois das festas. D. João e Carlota Joaquina, recém-casados, partiram para Lisboa. Mas o príncipe português ia mal-humorado, pois em Viçosa, ainda no dia da benção nupcial, explodira um escândalo, dando motivo a falatórios durante muito tempo.Que escândalo teria sido esse? - Como teria estreado na vida de aventuras essa menina de 10 anos, que mais tarde seria rainha de Portugal e do Brasil, e esposa adúltera do sereníssimo e conformadíssimo rei D. João VI?Seria mesmo escandalosa, aos 10 anos de idade, essa malsinada Carlota Joaquina? Dizem as crônicas antigas e a tradição histórica que sim.Os artífices portugueses, ajudados por espanhóis e franceses, construíram junto ao pavilhão dos reis, o dos noivos, no qual, lado a lado, se apreciavam dois lindos aposentos nupciais.Os estofados mais vistosos, as sedas mais belas, as rendas caríssimas, broquéis riquíssimos, tudo que poderia encantar a vista e agradar o corpo na maciez de um conforto principesco, aí, nesses dois apartamentos vizinhos, podia ser encontrado e apreciado. E nessa histórica noite de 9 de junho de 1785, acompanhadas das famílias reais, as duas princesinhas, a de Portugal e a de Espanha, ingressaram nos respectivos aposentos. Logo depois, os príncipes foram chamados pelas camareiras e, com o cerimonial do protocolo, penetraram nas alcovas nupciais. E enquanto se fechavam as portas do pavilhão dos noivos, lá fora, no pavilhão das festas, continuava, numa linda canção de amor, o serenim das damas fidalgas e dos nobres cavaleiros das duas côrtes reunidas de Portugal e Espanha.E a cantoria, mesmo de propositada intenção, ali perto dos aposentos nupciais, baixava em meia voz, e ia morrendo em surdina, como final de um serenim de amor, cantado no dedilhar de guitarras e bandolins. Eis então que, lá do pavilhão nupcial, gritos de mulher aflita, seguidos de um urro retumbante de dor agoniada, se fizeram ouvir, espicaçando a curiosidade dos cavalheiros e damas da sala de festas. Aos gritos sucederam-se gemidos, e de repente, como um fantasma, um vulto de mulher, em roupas de seda de Veneza e rendas de Holanda, deixava o pavilhão dos noivos e rapidamente atingia o pavilhão dos reis de Espanha.Quem seria? O que seria? Tais eram as interrogações que imediatamente brotaram de todas as bocas cortesãs. E ainda perduravam as interrogações de curiosidade quando surgiu no salão de festa, ofegante e pálida, trêmula e desconcertada, a senhora condessa de Badajoz, açafata da princesa Carlota Joaquina.Ia, numa pressa nervosa, gaguejando a todo o instante:- Onde está o cirurgião-mór? E na arquejante gagueira lá foi repetindo a pergunta até que surgiu a figura rubicunda e gordalhuda do cirurgião-mór.- Que há, sra. Condessa?- Depressa, Sr. cirurgião, depressa, que o nosso príncipe D. João está morrendo, esvaindo-se em sangue e a nossa princesa D. Carlota está hirta como defunta no quarto de sua Majestade el-rei de Espanha.Lá se foi o cirurgião. E os cortesãos, aflitos e torturados pela curiosidade, esperaram pela explicação do caso de tamanho escarcéu.Somente muito depois é que o escândalo correu de boca em boca, e a explicação contentou regiamente a curiosidade dos bisbilhoteiros da Côrte.