O Autor situa sua obra como variações em torno de temas dos grandes trágicos do passado: Eurípides, Sêneca e Racine. Trata-se da utilização de mitos e arquétipos perenes e universais, sempre renovados.
Não é um romance histórico. Nenhum dos personagens ou fatos faz parte da História e pouca importância tem sabermos que a ação desenrola-se em Vila Rica, século XVII. Tudo é ficção: uma grande montagem carnavalesca trágica, uma colagem de paródias, de estilos, temas e situações.
Em primeiro plano está o amor apaixonado de Malvina e Gaspar. O pano de fundo é a dominação totalitária de um poder extra-territorial sobre nosso povo. É a decadência dramática de uma classe social reacionária. É a miséria cotidiana dos que sofrem seu jugo.
De um lado, temos os donos de terra e escravos, da riqueza produzida pela mão negra e índia, donos da vida e da morte, representantes d’El Rei, súditos zelosos que vivem com os olhos no passado. São os Tomás Matias Cardoso, os João Diogo Galvão, os D. Quebedo e suas numerosas famílias e proles. É o Capitão-Geral e seu séquito.
De outro, os explorados e espoliados pelo trabalho que mata. Pelo suor que definha o corpo. Os que vivem com os olhos no futuro. É Ambrósio, mas também os que encontram na “Farsa” (a morte em efígie, pior que a verdadeira) refúgio para um ódio ancestral e sem peias. São os quilembolas também, apenas descritos pelo autor.
Entre os dois campos, os bastardos que não se decidem e que se anulam. Os que antes de morrer já estão mortos. É Januário.
Essas forças que se chocam formam o “grande festim de raças e ofícios, selvagem, infernal, puro trópico”, no qual o pivô é encarnado por Malvina e Gaspar, o amor que se nega, o amor que os sinos da agonia celebram como a agonia de um mundo que rui.
Através de um estilo fluente, Autran Dourado arrasta o leitor para o âmago de seus personagens. Gaspar, o mazombo de fingido, e Malvina, a filha da luz e de João Quebedo, candidata a matrona senhorial. Januário, carijó e mameluco indeciso. Todos sofrem e purgam os seus pecados. Nos envolvem.
Dentro desse turbilhão, apenas Ambrósio escapa. Aparentemente, o escravo se salva, ele que havia dito a respeito de seu dono: Engraçado siô Tomás, ele queria não só serviço mas bem-querença. No final, o negro assume sua condição e avança com a cabeça erguida, o peito aberto, os olhos no além, parecendo mais um guardião do templo, porteiro e guia de sua nação.
Nação que se encontra comandada por capitães-gerais assegurando ao rei a continuidade dos crimes, da prepotência de um Império que, em versos, se queria para sempre dilatado, de um poder absoluto e obscuro temido e amado e diante do qual ninguém tem valor algum.
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