"Numa época em que o pensamento ontológico é considerado um pensamento superado,numa época em que a racionalidade vigente reduziu a ciência a algo supostamente livre de valor, impõe-se, por força desse negativismo, perguntar como se justifica um livro comentando O Capital, quando se diz que essa obra de há muito foi superada pela emergência de uma nova realidade, qualitativamente diferente daquela em que viveu Marx.
As transformações ocorridas hoje na sociedade capitalista atestam que as modificações operadas nos processos de produção se fizeram em nome do capital. Por conta disso, o desenvolvimento da ciência, que se tornou a primeira força produtiva, não redundou na criação de um tempo livre de trabalho, como possibilidade concreta para o pleno desenvolvimento das capacidades intelectuais e espirituais dos indivíduos.
A nova forma de estruturação do Capital abstrato se apresenta como um verdadeiro reino de liberdade, propriedade e igualdade. O trabalhador estaria se sentindo mais livre, porque agora não mais preso a um sistema hierarquicamente organizado de exploração e opressão; na condição de vendedor de 'trabalho objetivado', se sentiria um verdadeiro comerciante, parceiro de seus antigos empregadores.
O segredo da produção da mais-valia está mais velado ainda porque agora ele se esconde sob a ilusão de uma sociedade de vendedores de trabalho materializado.
Isso é mais do que suficiente para demonstrar a validade histórica da teoria do valor-trabalho de Marx. Ela pode cobrar o seu 'direito de cidadania' na contemporaneidade, como uma teoria que ainda é capaz de dar conta das determinidades estruturais de uma sociabilidade ainda marcada e dominada pelo poder do capital."