Paulo 26/12/2023
Chegamos ao final da minissérie que abre essa nova fase dos X-Men e serve para estabelecer o novo status quo dos mutantes. Essa edição é inteiramente focada no sonho de Xavier para a convivência pacífica e em como este foi destruído progressivamente pela dura realidade que lhe é apresentada por Moira X. Resta a ele juntar os cacarecos do sonho e se estabelecer como uma nova potência global, dispondo de um tipo de recurso que é imperativo para que a humanidade continue se desenvolvendo. Para chegar ao objetivo de se elevar como a evolução natural da humanidade, Xavier não se arroga de estabelecer alianças e conchavos com velhos inimigos como Apocalipse, Sinistro, Exodus e tantos outros. A nação mutante agora é uma só e eles não se importam mais com a humanidade. Fica claro que a postura de Xavier e Magneto mudou e isso vem muito da influência de Moira X. Forma-se o chamado Conselho Silencioso que vai dar legitimidade à governança desse novo país e esta precisa contar com membros influentes e nem sempre flexíveis ao que Xavier e Magneto desejam. No futuro, a Falange chega a uma conclusão e finalmente descobrimos um pouco mais sobre a figura do Bibliotecário e se ainda existem ou não mutantes nesse período. A resposta é surpreendente e tem um pouco a ver com as maquinações de Moira.
A arte nessa edição é um pouco mais intimista tanto na pena de Pepe Larraz como na de R.B. Silva. Trata-se de uma edição bastante focada nas relações entre personagens, portanto os dois artistas se focaram mais em quadros pequenos, registrando as emoções apresentadas de forma clara ou as mais sutis dos mesmos. Gosto, por exemplo, de como Larraz nos traz uma Emma Frost mais estoica, preocupada com o que seria dos negócios feitos por Krakoa e de como ela mantém um cinismo diante dos planos da dupla. Ela vai precisando ser convencida e a cada novo detalhe repassado a ela, vemos sua aparência se suavizando até chegar a uma mulher de negócios buscando a melhor fatia do bolo. A cena da revelação de Moira para Xavier é revelada com mais detalhes aqui e gosto de como os quadros se repetem, concentrando-se na reação de ambos à medida em que as informações são compartilhadas entre ambos. A transformação no semblante de Xavier é notável e é o que vai nos gerar este ser tão estranho que acompanhamos desde o primeiro volume. Meu destaque artístico vai para o momento do contato entre a Falange e o Ancião onde vemos todo o potencial maquinário destes seres, registrado em uma linda cena por Pepe Larraz. Uma pena que são duas páginas repletas de texto, o que tira um pouco do brilho da arte.
Temos muitos assuntos tratados aqui, mas acho que o principal que Hickman nos traz tem a ver com o sonho. Desde a era de Chris Claremont que o tema da coexistência pacífica voltava à tona a todo o momento, com os X-Men precisando lutar contra todo e qualquer inimigo que ameaçasse a implementação disso. Vimos ao longo das décadas que a humanidade fazia o possível para frustrar os objetivos de Xavier, por mais que ele alterasse o escopo do mesmo. Tivemos o ataque dos sentinelas de Bolivar Trask, o massacre de mutantes onde nenhum herói ajudou-os, as palavras de Wanda Maximoff que reduziram os mutantes a números minguados, o controle sempre presente do governo. Chegou um momento em que era necessário se questionar o que restou do sonho. E é isso o que Moira traz após suas várias vidas. Se tornou necessário encontrar uma nova forma de sobreviver e talvez o que Magneto e Apocalipse postulam não seja lá tão errado assim. Moira consegue chegar no coração de Xavier e fazê-lo rever o que imagina como sobrevivência da nação mutante. Hickman insiste em uma cena em que coloca Xavier e Magneto lado a lado enquanto Krakoa está em festa. Só tem um ponto: esse Xavier não é mais aquele de décadas atrás. Esse é outro e não sabemos exatamente a extensão de seus planos.
A HQ dos X-Men sempre foi uma a discutir preconceito, xenofobia, revolução. E não há nada mais revolucionário do que a fala de Xavier para a humanidade. Aquilo é ressentimento puro acumulado ao longo de anos e mesmo alguém pacifista como ele chega a um limite. Faltava a faísca para acender o pavio. E isso é dado por Moira quando revela a ele as suas diversas vidas. Mas, há uma série de mensagens dúbias e sutis na fala de Xavier. Na minha visão, a maneira como ele enxerga Krakoa e como ele projetou parte das maravilhas desse novo lugar são estranhas. É um personagem libertado das correntes que o impediam de ser um anarquista de todo. E isso é bem perigoso nesse novo status. Principalmente quando você chama para viver ao seu lado pessoas tão diferentes como Sinistro, Apocalipse, Mística e Exodus. Cada um deles representa um elemento volátil nessa estranha equação disposta para os leitores.
Tem outro detalhe que reside na própria figura de Moira. Agora descobrimos que Xavier e Magneto não contaram os detalhes sobre as revelações feitas por ela a eles. Ou seja, tudo aquilo que levou à implementação da nação de Krakoa continua envolta em um mistério que envolve três indivíduos. Mais do que isso: Moira não deseja a ressurreição da mutante Sina, companheira de Mística e que cujo poder mutante é o de ver o futuro. Se nos lembrarmos bem, na edição 2 foi Sina quem foi uma das responsáveis pelo fim de uma das vidas de Moira. E Sina deixa no ar algumas mensagens bastante enigmáticas. Quando somamos às revelações que temos do futuro com o Bibliotecário e os últimos mutantes da Terra, ficamos nos pensando o que Moira vai fazer com a informação que ela tem a respeito da ascensão da Falange na Terra e de sua inevitável destruição. Onde os mutantes entram nesse jogo? São camadas após camadas de informação que nem sempre nos levam a crer que Moira está do lado de Magneto e Xavier. Me parece que ambos estão jogando jogos diferentes e possuem objetivos que podem se chocar em algum momento.
"Eles vão pensar que nós estamos fazendo uma coisa, mas, na verdade, estamos fazendo outra totalmente diferente. (Professor X)"
E aí temos o surgimento do Conselho Silencioso. Xavier optou por um governo meio oligárquico com um conselho consultivo que vai tomar as decisões. Para que este funcione de forma mais "democrática" ele dividiu o conselho em estações de ano onde três membros do conselho são os líderes específicos em cada momento. Por trás de tudo existem dois grupos especiais: Cifra e Krakoa que funciona como membros superiores e o Conselho Militar, que é uma espécie de grupo de operações especiais responsável pela segurança da ilha. Alguns grupos de estações são bastante interessantes como ver Emma Frost e Sebastian Shaw lado a lado (sendo que Frost tinha acabado de derrubar Shaw do Clube do Inferno). Outro grupo que promete aprontar todas é formado por Sinistro, Exodus e Mística. Não há nada tão volátil quanto estes três lado a lado. Principalmente com Sinistro e Exodus que representam os dois lados da moeda do caos e da ordem, respectivamente. Xavier desvia do assunto quando questionado se o Conselho Silencioso é um órgão permanente ou não. A ver cenas dos próximos capítulos porque isso promete.
A minissérie termina em um volume meio morno, mas que serve para nos mostrar como vai ser o status quo daqui em diante. A preparação foi feita e as sementes foram deixadas no ar a serem trabalhadas ao longo do arco. A gente sabe mais ou menos que algumas dessas sementes nunca foram trabalhadas de forma eficiente, mas mesmo assim me deixou curioso para acompanhar como foi a jornada e aonde foram feitos os desvios de rota. A arte foi mais simples do que em outros volumes, embora a tenha achado bastante eficiente no que diz respeito à sinergia com o roteiro. Larraz e Silva apresentaram nesta edição o que Hickman lhes pediu. Nesse ponto, perfeito. Quero saber como presente e futuro vão se ligar nas próximas edições ou se a morte de Moira foi um ponto final a essa linha temporal de forma a ela começar tudo de novo em outra vida. Vamos acompanhar juntos!
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