O Poderoso Maximus

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Resenhas - O Poderoso Maximus


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Marc 01/04/2021

É um estranho paradoxo que acompanha a vida e a sociedade. Cada vez que se tenta retornar a questões sociais, como eram as histórias do Superman no início e como são essas aqui, fatalmente o personagem principal se moraliza, também. Compreendo que no momento em que vivemos, onde as grandes editoras tentam transformar seus heróis em exemplos para a sociedade, combatendo o racismo, o machismo, etc, isso surge como um efeito rebote e os próprios personagens começam a encarnar ideais — e isso é moralidade. O caso de Maximus é exemplar nesse sentido, porque o herói lida com uma sociedade realista, com a miséria, com a destruição da família, etc, e tudo que ele deseja é, se não resolver, ao menos atenuar esse estado de convulsão social. Mas para fazê-lo, o herói precisa se purificar de alguma forma, porque um discurso vazio, onde a prática está em contradição com a fala, provocaria o efeito contrário ao pretendido. Por essa razão, ao buscar algum conceito de correção, que deve se sobrepor à destruição e abandono dos fracos e oprimidos, não há outro meio se não moralizar seu herói.

Isso é algo fantástico, porque os quadrinhos enfrentam uma séria crise de criatividade. Histórias famosas colocaram Superman e Batman em polos opostos, primeiro como duas visões muito distintas de como fazer o mundo ter sentido e se tornar mais justo, depois transformando o herói mais poderoso de todos em um completo vilão. Acredita-se que isso seja realismo, porque aos poucos fomos convencidos de que todos tem seus esqueletos escondidos no armário e ninguém pode, afinal, ser tão bonzinho assim. Dizemos que isso é sinônimo de pessoas sem graça, insossas e que um pouquinho de maldade apimenta tudo. Mas tenho minhas dúvidas se isso é realismo ou apenas um modo de desdizer aquilo que tinha valor anteriormente, reescrevendo a história e dando novo significado para os conceitos de bem e mal. Talvez sejam heróis mais adequados a nossos tempos, não sei, porque tudo é cinza, nublado, confuso e aqueles que dizem lutar pelo bem são os primeiros a tentar destruir os que pensam de maneira diferente e tem visões diversas. A verdade, no entanto, é que esse tipo de narrativa, seja na vida real, seja nos quadrinhos, acaba consumindo a si mesma. De alguma maneira nós precisamos acreditar que há o bem, que apesar de todos os sofrimentos, há algo melhor mais à frente. Se nossos seres poderosos são destituídos de esperanças e não conseguem evocá-la nos outros, isso significa que nossa civilização está à caminho da morte.

Ninguém luta por algo sem acreditar naquilo. Ou melhor, lembro de uma passagem icônica dos filmes de heróis, onde Batman ouve de seu mordomo que há pessoas que só querem ver o circo pegar fogo. Essas são as pessoas verdadeiramente perigosas — e elas tem crescido exponencialmente em nossos tempos. São perigosas porque são niilistas e pouco se importam com o que aconteça. Talvez olhem as outras pessoas como nós olhamos as formigas, quando se destrói um formigueiro: o desespero para tentar colocar no lugar e restabelecer a normalidade. E muitos heróis dos quadrinhos estão se tornando niilistas nas mãos de escritores hábeis tecnicamente, mas que não compreendem muito bem o que está em jogo.

Pois bem, essa pequena digressão era necessária para dar embasamento à afirmação de que só há, atualmente, dois caminhos no mundo dos quadrinhos. Ou os personagens se tornam niilistas desapaixonados da vida, ressentidos com o pagamento que o mundo lhes dá, sempre voltando aos mesmos erros, sempre procurando olhar mais tempo do que o necessário para dentro do abismo; ou há a moralidade, como a descrevi no começo. Mas essa resposta vem, sobretudo, do ímpeto dos escritores. Daí o paradoxo que apontei logo acima. Não adianta um criador que não acredita naquilo que escreve tentar colocar em suas histórias que um verdadeiro herói tenta atenuar o mal do mundo, que é sofrimento de todo o tipo, mas principalmente para os mais fracos, ele precisa acreditar na veracidade do que está dizendo. E isso o puxa para o campo da moralidade, não tem como escapar. Ou estaríamos diante de um cínico, o que não é o caso – felizmente.

Por isso, por fazer parte do que seja verdadeiramente moral, Maximus, o herói, não pode ultrapassar uma linha que impôs para si mesmo. Ele evita usufruir de seus poderes para benefício próprio, evita se envolver com alunas (sua real identidade é a de um professor universitário), sempre procura uma luta justa, poupando seus poderes, mesmo sabendo que poderia derrotar os bandidos e aniquilá-los se usasse todo seu poder. É aí que está toda a graça no herói, porque enxergamos coerência. Era isso que fazia as HQs antigas, mesmo que tivessem histórias bobinhas, serem mágicas e evocar o que pode haver de melhor em nós. É isso que está se perdendo a cada dia, sem que a maioria nem consiga mais nomear e definir o que é, pois esse espaço já está vazio há algum tempo e muitos nem perceberam como aconteceu. E espero que seja a linha que Alan Yango, o autor, continue seguindo, porque todos nós já estamos cansados desses personagens que fingem ser morais, procurando incorporar tudo o que há de mais característico no discurso vitimista e, ao mesmo tempo, demonstrar uma falta de honra, de piedade e, numa palavra, falta de caráter, que se reflete em vendas cada vez mais baixas nas grandes editoras, que aprenderam a usar o recurso de criar “histórias-bomba” a cada poucos meses, enganando seus leitores com mudanças drásticas seguidas, que não mudam nada e servem apenas para manter o faturamento.

A única crítica que faço é à brevidade das histórias. Tudo passa rápido demais. Enquanto lia, já imaginava o potencial do personagem enfrentando dificuldades que o testassem em sua capacidade de manter seus valores e comportamento, grandes sagas que o deixassem em completa paralisia, onde seus poderes, se usados, causariam mais danos do que melhorias e que lições o herói poderia aprender com isso. Em verdade, uma das histórias faz praticamente isso, mas ela é curta demais para mostrar todo o conflito de consciência que Maximus enfrentaria. Não posso deixar de mencionar, também, que o trabalho de edição é muito bom e que tenho razões pessoais para elogiar, porque é uma nova editora de quadrinhos, fundada pelo meu amigo Roberto de Castro e tenho acompanhado seu entusiasmo, o que é algo muito bonito de se ver.

Espero, francamente, que Alan Yango não mude a direção de seu personagem. Ele tem ouro nas mãos e pode fazer algo de verdadeiramente relevante diante da encruzilhada que o meio de HQs vive. Está tudo ali, a capacidade de colocar o personagem num mundo realista, deteriorado e caótico, mas que não consegue dobrar o herói; essa qualidade moral de ser a única coisa que se mantém intacta num mundo deturpado é essencial, pois é inspiradora, sendo aquilo que alimentou gerações e mais gerações de leitores.
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Djeison.Hoerlle 24/07/2021

Dando sequência à leitura dos materiais da Editora Universo Fantástico, a qual eu agora orgulhosamente faço parte como autor, chegou a hora de conhecer o professor Max.

E eu não me referi ao alter ego do herói à toa. Isso porque, a exemplo das histórias da Marvel, o cotidiano é um elemento fortemente presente em O Poderoso Maximus. As preocupações quanto aos atrasos para as aulas da faculdade em que faz parte do corpo docente, somadas às típicas pilhas de provas a serem corrigidas dão aquela entonação tragicômica ao herói, que é complementada por um discurso social extremamente atual.

Nós dificilmente vemos Maximus enfrentando super vilões e salvando o mundo. O foco das histórias é a perseguição às drogas e os caminhos tortuosos que levam até elas, o submundo da prostituição e do tráfico humano, explorando como as mulheres são as principais vítimas dele, e até mesmo a depressão e o suicídio, além de muitas outras vertentes que hoje em dia parecem banalizada devido aos discursos superficiais do Twitter, mas que são extremamente pontuais.

Maximus não é um combatente, um assassino de bandidos. Ele é um herói. Ele salva pessoas, e esta sempre será sua prioridade. Violência é consequência de algumas situações, e não o objetivo do personagem ou do roteiro, e isso foi uma decisão sábia de Alan Yango. Um roteirista sensível e que entende não apenas o conceito de heroísmo, mas também o aplica muito bem ao contexto social do Brasil.


Mas como nem tudo são flores, é preciso pontuar que, por mais bem escrito que seja, o formato ainda deixa muito a desejar por duas razões. A primeira é que as histórias são quase que 100% narradas na primeira pessoa pelo herói, o que o fortalece enquanto personagem, mas diminui as potencialidades dos demais, não existindo um elenco de apoio. Não há Lois Lane, Jimmy Olsen nem Lex Luthor, somente um herói imbatível.

O segundo ponto e seguramente o mais incômodo é a arte. Informação demais, contraste exacerbado entre preto e branco, abarrotando as páginas de linhas e rachuras, tornando muitas delas caóticas, quase impossíveis de se compreender. Se o resultado foi este por excesso de detalhismo do roteiro, desconhecimento de conceitos de hierarquia visual ou ambos, jamais saberemos.

Acredito que trabalhando este único ponto, teríamos uma material extremamente valioso, afinal, os textos são maravilhosos e muito acima da média do gênero super-heróico. Ainda mais da vertente brasileira.

Vale a aquisição, sem dúvidas, e que as próximas histórias melhores estes aspectos.

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