Mr.Sandman 16/01/2024
Cachorros Sonham com Serras Elétricas?
O primeiro volume de Chainsaw Man estabelece de uma forma bastante assertiva um mundo rico e esteticamente impressionante, que ao mesmo tempo que diverte, empolga e cativa, é extremamente reflexivo, denso e recheado de alegorias. Tatsuki Fujimoto fundamenta um mundo violento e brutal, mas que mesmo com todos seus elementos fantásticos, não parece tão distante de nós.
O primeiro ponto a se considerar ao ler Chainsaw man é sua demografia. É um shounen, mas que não se adequa essencialmente aos padrões mais conhecidos dessa vertente. Por mais que vários elementos narrativos façam presença, existem mudanças pontuais que criam uma subversão das temáticas do battle shounen. O próprio protagonista é um desses pontos de virada. Denji não é a bússola moral, o bom garoto, aquele que mantém seus ideais morais mesmo quando sofre todo tipo de violência e provação. Denji é um personagem condicionado, um personagem que sofre humilhações e que vive como um pária. E quando tem seus objetivos postos, são objetivos egoístas, fúteis e essencialmente básicos. Mas é um erro pensar que isso é construído de forma leviana. Denji é assim por causa dos meios em que ele fez sua existência. Sua história, suas condições socioeconômicas. Todo seu contexto corrobora para as necessidades que ele apresenta. Denji cresceu com deficits em quase todos os aspectos. Deficits de educação e conhecimento, Deficits culturais e sociais, Deficits emocionais, afetivos e sexuais. Assim como no início ele teve que vender uma série de órgãos, ele também teve que vender seus direitos básicos para pagar uma dívida. A dívida de seu pai falecido que provavelmente levaria sua vida toda para conseguir quitar.
Nesse ponto o mangá encontra sua linha reflexiva. O capitalismo e as mentalidades que o sustentam, criam situações parecidas com a do Denji. Criam cachorrinhos domesticados e domesticáveis. Seres alienados e que são quase como escravos de um sistema que mercantiliza seus sonhos e suas necessidades mais básicas de sobrevivência. Denji representa toda uma parcela da sociedade, que está sujeita a viver com medo, e o que estabelece esse medo é justamente o dinheiro, a ganância e o status quo. Não é normal os sonhos mais ambiciosos de uma pessoa serem comer uma fatia de pão com geleia e apertar uns peitos. Mas é algo que acontece, justamente por causa dos deficits tremendos que as pessoas estão sujeitas, justamente quando marcadores sociais vão se acumulando e esses mesmos marcadores são vítimas de exclusão, preconceito e invisibilidade.
É muito interessante um mangá shounen estabelecer essas reflexões. Para mim, são muito claras nesse primeiro volume. E mostra também como esse sistema se alimenta da exploração contínua. Denji era explorado pela máfia. Depois Denji é explorado pela Makima (que representa o governo). Makima domestica Denji por meio de seus sonhos e desejos. Ela se fundamenta como a única forma dele realizá-los, ela o condiciona dentro de um jogo de contratos. Chainsaw Man é sobre contratos. É sobre vender sua alma ao "demônio", é sobre trocas que se fazem de equivalentes, mas que nunca são.
Dentro de toda essa dinâmica reflexiva, Chainsaw Man ainda consegue se estabelecer como um bom mangá porradeiro, já que possui cenas de ação muito bem trabalhadas e um imaginário estético muito rico. É violenta e funciona bem com o erotismo justamente por ele não ser gratuito. Existe uma concepção por trás que é muito bem feita. Além disso, também possui um humor muito bem trabalhado.
Dito isso, esse primeiro volume de chainsaw man foi muito empolgante, justamente por construir esses dois lados de uma forma bastante impressionante. Infelizmente pode ser um mangá que muitos irão ler apenas para se divertir sem refletir sobre o que foi colocado. Isso não necessariamente é um problema, mas existem boas reflexões aqui que poderiam enriquecer o senso crítico do público.
Agora uma pergunta: Cachorros Sonham com Serras Elétricas?