Marc 24/09/2021
Quando essas histórias foram criadas, o mundo das HQs era completamente diferente. Era possível escrever uma história de aventura sem se preocupar com a sensibilidade do leitor (ou de comentaristas especializados), sem se enquadrar no cada vez mais difícil padrão de “moralidade” e respeito imposto pelos donos do mundo. Mas as coisas mudam e essa leitura acabou ganhando outro significado, naturalmente à revelia dos autores, mas também muito saudável.
O negócio de HQs está ligado ao de games, cinema, action figures, sendo uma espécie de teste de narrativas para esses outros meios, capazes de gerar lucros inimagináveis em outros tempos. De todas as mídias de entretenimento, os quadrinhos são os de público menor e que geram menos receita. Mas, justamente por essa condição, as empresas tem usado as HQs para testar mudanças nos personagens e na forma de narrar histórias, acrescentando temas sociais e identitários que não poderiam ser levados aos outros meios diretamente, sob o risco de amargar prejuízos gigantescos. Em outras palavras, as HQs se tornaram o reino do politicamente correto por excelência. Mas, como qualquer outra coisa, uma guinada provoca vários tipos de reação. É por esse motivo, acredito, que as histórias de faroeste, fantasia e violência estão voltando a fazer sucesso, pois ali temos personagens que não param para sofrer crise de consciência, não admitem o politicamente correto e certamente zombariam de leitores tão ofendidos com qualquer palavra.
Zamor é uma história leve, do tempo em que o politicamente correto e a necessidade de engajamento não existiam. Nesse sentido, não consigo imaginar um momento mais acertado para esse lançamento. Fazia já 40 anos que o personagem fora lançado, numa edição rara e pouco cuidada (infelizmente). Aproveitando esse efeito rebote que o domínio do politicamente correto tem provocado, essa edição acaba tendo uma importância muito maior do que se imaginava a princípio. Por esse motivo, parece que as coisas aconteceram da melhor maneira e não tenho dúvida que o personagem terá muito mais sucesso e reconhecimento agora, afinal ele é uma espécie de oásis diante da aridez ditatorial do mercado editorial, que só se interessa pela conversão dos leitores a suas causas ideológicas.
Leia uma história despretensiosa, divertida e, sempre vale dizer, muito diferente de Conan. Aqui, mesmo se tratando de um personagem com visual semelhante, as histórias são mais voltadas para uma mistura de ficção científica, magia e aventura. É um trabalho salvador, porque depois da leitura nós saímos com o gosto de termos nos divertido, coisa que não acontece há muito comigo — e nunca com as histórias atuais. Obrigado, portanto a Mozart Couto e Franco de Rosa por nos entregarem algo salutar dessa maneira.
Por fim, a edição é muito bonita. No mesmo sentido do que estava dizendo sobre o conteúdo, a Editora Universo Fantástico fez uma escolha inteligente sobre o formato da edição. Capa mole, mas resistente, formato grande, com algumas páginas coloridas e muito bem cuidada. Contrariando a tendência doentia de lançamentos em capa dura, que encarecem e tornam os quadrinhos difíceis de manejar, essa edição remete a um estilo de edição que quase já não existe mais. Para quem é leitor há muito tempo, esse tipo de edição, de conteúdo, é um respiro e eu desejo que saiam novos álbuns do personagem. Aquele leitor cansado de menosprezarem sua inteligência através da pregação incessante de ideologias alheias a sua vida (e cobrarem caro para isso, ainda por cima) vai adorar simplesmente se divertir.