Ludmilla Silva 11/06/2023"As afulepeiras contra o mal"Muitos falam ser importante valorizar a produção de obras nacionais e locais, mas a gente sabe que nem sempre é fácil fazer isso já que a qualidade de muitas obras varia bastante entre si, felizmente esse não é o caso de Mayara & Annabelle. Essa HQ é daquelas que te dá orgulho de ter sido pensada e idealizada por brasileiros, o tipo que você enche a boca e o peito para elogiar de todas as maneiras possíveis.
Eu penso que se fosse uma HQ internacional, de uma editora gigantesca, como a Marvel ou a DC, já seria muito aclamada e conhecida e poderia até mesmo já estar sendo desenvolvida para adaptações de animações ou live-action. Falo assim no sentido de acreditar muito no potencial dessa história. E o melhor desse quadrinho é que ele possui elementos básicos (super-heróis, monstros, ninjas, demônios, etc.), mas tudo isso em um contexto 100% brasileiro, e ainda melhor… em uma história ambientada no Ceará.
Pablo Casado e Talles Rodrigues conseguiram pegar um elemento bastante característico do Brasil e o unir a uma história maior de luta do bem contra o mal. E que elemento é esse? As instituições públicas brasileiras, ou melhor, a ineficiência das mesmas, atreladas a corrupção, desconfiança e até mesmo ao péssimo tratamento dado as suas funcionárias. A ideia de existir uma “Secretária de Controle de Atividades Fora do Comum (SECAF)” para resolver problemas sobrenaturais no Brasil, é simplesmente genial.
Não sou nordestina, então não posso falar com propriedade de todos os elementos aqui presentes, até porque muitos detalhes podem ter passado despercebidos por mim. Todavia, de forma geral, um ponto que é possível observar nessa história mesmo não conhecendo muito sobre o Nordeste é a questão do “coronelismo” e de como algumas figuras de autoridade e poder utilizam de sua influência para comprar e manipular pequenas comunidades. Esse elemento é utilizado com maestria na HQ e é simplesmente perfeito para o desenrolar da narrativa.
Eu amei muito a amizade da Mayara e da Annabelle ao ser algo que no começo demorou a desenrolar, mas depois que engatou elas já pareciam irmãs de alma. A química delas é ótima, e eu amei os momentos de descontração e piadas (a cena do bar é tudo)! Em relação aos seus poderes elas são muito diferentes entre si, mas em momentos de luta se complementam perfeitamente. Eu amei muito a representatividade LGBTQIA+, principalmente por parte da Annabelle, o mais legal é que foi feito de forma super natural e até foi usado como momento para a Mayara se conectar mais e entender melhor Annabelle, logo ali no início da amizade.
Outro ponto fenomenal da HQ é a questão das cores. Ela é dividida em várias partes diferentes e cada parte é colorida de um modo distinto, primeiro você tem o preto com o laranja, depois o preto com o amarelo e por fim o preto com o rosa. A princípio, parece um pouco difícil se acostumar visualmente, mas depois que seus olhos se acostumam é mais fácil apreciar a beleza desse detalhe. Ela também possui uma capa e uma sobrecapas incrivelmente lindas. A qualidade do material em si e de todos os outros elementos que transformam uma HQ está linda. A editora CONRAD está de parabéns pela impressão, um tratamento que muitas obras brasileiras deveriam ter.
Bom, eu disse ali em cima que se essa HQ fosse internacional ela já estaria fazendo um enorme sucesso devido ao seu alcance. Contudo, ao mesmo tempo, eu vou me contradizer aqui, pois honestamente não sei se ela funcionaria se não trouxesse tantos elementos característicos de nosso país e da cultura nordestina. Muito do meu deleite da leitura veio justamente dessa ideia genial dos autores de misturar uma premissa fantasiosa simples com elementos tão marcantes do Brasil. Eu não consigo nem explicar a história da HQ aqui, pois acho que o mais legal dela é justamente ler tudo e se surpreender a cada página. É simplesmente incrível. E já me encontro ansiosa para começar o segundo volume e a edição extra, ou seja, felizmente essa história maravilhosa não termina por aqui.