emmanuel_arankar 17/10/2023"O Perfuraneve" de Jacques Lob, Benjamin Legrand, e Jean-Marc Rochette
"O Perfuraneve" é uma obra inovadora e profunda que explora a natureza humana em um cenário pós-apocalíptico. A história, publicada originalmente em três volumes, oferece uma visão única e impactante da sobrevivência da humanidade em condições extremas, além de abordar questões sociais, políticas e filosóficas que permanecem relevantes até os dias de hoje.
A premissa da história se passa em um mundo congelado após um desastre climático catastrófico. O planeta Terra está coberto de gelo, tornando a vida na superfície impossível. A última esperança da humanidade reside em um trem colossal chamado Perfuraneve, que viaja continuamente ao redor do mundo, abrigando os últimos sobreviventes. O trem é dividido em diferentes seções, cada uma representando uma classe social, indo desde os privilegiados passageiros da frente, com seus vagões luxuosos e confortáveis, até os miseráveis habitantes dos vagões traseiros, que vivem em condições deploráveis.
O primeiro volume, intitulado "O Perfuraneve", é uma exploração profunda da estratificação social. Proloff, o protagonista, é um homem que luta para avançar do fundo do trem, onde as condições de vida são deploráveis, para os vagões da frente, onde a elite desfruta de luxo e privilégios. Ao longo de sua jornada, ele experimenta a crueldade da divisão social e a natureza efêmera da esperança. A história se desenrola como uma jornada épica em direção à locomotiva, que é vista como um símbolo de poder e controle.
O autor, Jacques Lob, tece uma narrativa que aborda questões profundas de justiça social, desigualdade e o custo da segregação. Ele não se detém em explicações científicas detalhadas, mas utiliza o cenário gélido para refletir sobre a condição humana. Lob cria um protagonista ambivalente em Proloff, que reflete os dilemas morais de uma sociedade profundamente dividida. A obra critica o assistencialismo e questiona as motivações por trás das ações dos personagens. Nesse mundo congelado, a busca por esperança e a luta por justiça se tornam temas centrais.
A arte em preto e branco de Jean-Marc Rochette contribui para a atmosfera claustrofóbica e desoladora da história. Seus traços detalhados retratam expressões faciais desesperançosas e cenários opressivos, enfatizando o confinamento e a falta de espaço nos vagões do trem. A abordagem minimalista dos elementos de ficção científica mantém o foco na exploração das dinâmicas sociais.
No segundo e terceiro volumes, "O Explorador" e "A Travessia", escritos por Benjamin Legrand, a história continua a explorar os horrores da sociedade a bordo do Perfuraneve. Os eventos se desenrolam em um novo trem, o Desbrava-Gelo, que desafia a ideia anterior de que o Perfuraneve era a última esperança da humanidade. Legrand expande a mitologia do mundo e introduz ação e intriga à medida que os personagens enfrentam conflitos de poder, religião e controle.
"A Travessia" lida com a chegada de uma misteriosa transmissão de rádio, que leva a uma jornada perigosa através de um oceano congelado. A narrativa exige modificações radicais na mitologia do mundo e leva os personagens a questionar suas crenças e o significado de sua existência no trem.
Rochette adapta sua arte de acordo com as mudanças na história. Seus traços se tornam mais suaves e abstratos, refletindo a evolução do mundo e a complexidade crescente das situações. A paleta de cores é ampliada, incorporando tons de cinza e criando uma sensação de profundidade, à medida que a narrativa se expande para além dos limites do trem.
A segunda parte da história, "O Explorador", explora o poder, a manipulação da informação e a alienação. Os exploradores são encarregados de encontrar suprimentos no mundo exterior, mas acabam descobrindo segredos que desafiam o status quo. A trama lida com a sociedade de controle, a influência da mídia e a busca de conhecimento proibido.
A religião também desempenha um papel significativo, com o trem sendo adorado como uma entidade divina, e líderes religiosos exercendo influência sobre as massas. O conflito entre o Estado e a Religião é explorado, assim como a linha tênue entre liderança e ditadura.
Na terceira parte, "A Travessia", a busca por uma fonte misteriosa de música desencadeia uma série de eventos que desafiam as crenças dos personagens. O cenário se expande para além do trem, e a narrativa aborda temas existenciais e filosóficos à medida que os passageiros enfrentam escolhas difíceis e dilemas éticos.
O título da série, "O Perfuraneve", refere-se ao próprio trem, que perfura a crosta de gelo à medida que viaja. Esse ato é metafórico em vários níveis, representando a luta pela sobrevivência, o avanço social e a busca por significado em um mundo apocalíptico.
Em última análise, "O Perfuraneve" é uma obra-prima literária que oferece uma visão profundamente reflexiva sobre a natureza humana, a desigualdade social, o poder e o significado da vida. Através de sua narrativa complexa e de sua arte expressiva, a série cativa os leitores, convidando-os a refletir sobre as complexidades da existência em um mundo implacável e desolado. É uma obra que merece ser lida e apreciada, não apenas como uma história de ficção científica, mas como uma exploração profunda das questões fundamentais da condição humana.