Renan Barcelos 15/04/2016
O Homem e o Universo
Lançado ano passado (2015) no Brasil pela Editora Panini, Planetes foi o primeiro mangá de Makoto Yukimura, também autor de Vinland Saga, e conta uma história de hard sci-fi completamente centrada em seus personagens. A obra, uma minissérie de apenas quatro volumes, não tem por objetivo apresentar ao leitor uma história complexa ou mesmo uma trama cheia de ação. Em Planetes, Yukimura desenvolve o espaço sideral, suas leis e seu ambiente tão bem quanto desenvolveria qualquer protagonista, pautando sua obra no relacionamento do homem consigo mesmo e com o universo. Fosse uma publicação de muitos dos mangakás mais famosos no Brasil, uma obra com esta premissa poderia se tornar bastante enfadonha, no entanto, o autor consegue alcançar um equilíbrio mais do que satisfatório e apresentar uma obra bela e atrativa.
No mangá, o leitor é apresentado a uma Terra de 2075 onde o ser humano já deu passos consistentes rumo à conquista do espaço. Diversas estações espaciais orbitam o planeta e mais de uma base lunar pode ser encontrada no satélite natural por aqueles que estão em viagem ou que necessitam abastecer sua nave. E não existem exageros da parte do autor aqui. A realidade que ele constrói é factível perante os avanços atuais e o seu intento é criar um cenário tão realista e verossímil quanto possível. Nesta ambientação onde voos espaciais comerciais são uma realidade, são apresentados os tripulantes da Toy Box, uma nave catadora de detritos, sua rotina e o seu relacionamento com o trabalho, e os problemas e desafios de se viver fora da atmosfera.
Planetes, no entanto, não busca de forma nenhuma contar uma história. Pelo menos não uma trama no sentindo mais comum de se encontrar em histórias em quadrinhos. O mangá segue mostrando a vida e por vezes o passado dos tripulantes da Toy Box e também de seus familiares e amigos, se importando em mostrar os seus sonhos, medos e desafios. Existem sim acontecimentos mais ou menos centrais ao mangá, como, por exemplo, a eminência da primeira viagem tripulada a Júpiter, missão na qual um dos protagonistas, Hachimaki, pretende ingressar. Entretanto, até mesmo tal evento, que é citado e desenvolvido ao longo das edições, serve apenas de pano de fundo para tratar de temas como a distância que os astronautas e seus entes queridos precisam enfrentar, a tenacidade dos humanos em sempre buscar ir mais distante e os treinamentos e problemas que uma viagem deste calibre ocasionam.
É na figura de Hachimaki, um jovem japonês que sonha em ter sua própria nave, que, em sua maior parte, são representadas as questões psicológicas e físicas que podem afetar os que vivem no espaço. No decorrer da história, o jovem passa por diversos contratempos, indo de ossos fragilizados devido à vida em baixa gravidade a problemas mais complexos, como depressão, fobia ao vazio e apatia frente à própria vida. Hachi está longe de ser um protagonista solitário. Muitas vezes os seus anseios e medos quanto ao universo e à viagem para Júpiter são colocados de lado para explorar as vivências de outros personagens, chegando a retroceder no tempo e mostrar eventos completamente desconexos com o tema espacial, apenas para ilustrar as determinações, escolhas e mágoas que os personagens mantêm nesse mundo de 2075.
Planetes-Manga-imagem-destaque
A arte da HQ colabora para criar um clima de realismo e até de seriedade. Existem momentos no mangá em que o autor se vale de um humor bastante japonês, que relembra histórias estilo shounen, mas, estes segmentos não empobrecem a história e o estilo escolhido para ilustrar os personagens consegue ser tão bom nos momentos pontuais de humor quanto nas partes mais dramáticas e sensíveis. O cenário é sempre tratado com esmero, sendo bastante detalhista e, tanto quanto as falas ou expressões dos personagens, também conta uma história. Existe toda uma beleza melancólica nos quadros em que uma nave solitária é mostrada contra o horizonte negro, infinito e estrelado do espaço sideral.
Dessa forma, Planetes consegue apresentar uma história sensível, que lida com temas complexos como a existência humana dentro do infinito universo, mas que não se leva tão a sério a ponto do pedantismo. No mangá, personagens simples e, às vezes, humanamente idiotas, constantemente enfrentam a si mesmos e a seus semelhantes enquanto buscam dar sentido à própria vida. É uma obra sensível que consegue isso não por acidente, mas por um esforço louvável por parte de um autor que buscou não apenas criar um panorama futurista de ficção científica, mas também falar de dramas humanos atemporais como a solidão, morte, sonhos e todo aquele sentimento de estar perdido no mundo, ou no universo.
Para mais resenhas de livros e Hqs, dá uma conferida no O Vício =)
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