Paulo 10/03/2019
Uma das velhas questões dos quadrinhos permeia estas duas edições deste especial: uma boa arte compensa uma narrativa ruim? Ou uma boa narrativa compensa uma arte ruim? Não digo que a narrativa daqui seja ruim, mas ela é vários níveis abaixo da arte maravilhosa de Enrico Marini. Uma simples história com o sequestro de uma menina que se acredita ser a filha de Bruce Wayne em uma de suas aventuras no passado. O sequestrador é nada menos do que o Coringa, que está interessado em usar o Batman para conseguir um presente de aniversário para a Arlequina. E é isso. Essa é a base da narrativa. Temos algumas reflexões e dramas, mas muito superficiais.
A primeira edição serve muito como apresentação para a narrativa colocando os personagens em seus devidos lugares antes de seus destinos se cruzarem. A gente pode reclamar um pouco de que se trata de uma edição mais parada fora uma perseguição de carro feita pelo Batman na metade da narrativa e um combate rápido contra a Mulher-Gato. Ou seja, Marini apenas introduz o que ele deseja fazer na história e posiciona suas peças pelo tabuleiro. O roteiro passa como mediano apenas, e acho que isso é algo bastante comentado por outros resenhistas: a série toda serve bastante como um showcase para a bela arte do autor.
Mas, fica aqui o meu elogio a como Marini abordou Bruce Wayne e não o Batman. Nos últimos anos (fora o arco gigante do Tom King na série), não vemos muitos autores mexerem com o passado do Bruce. As ameaças são mais voltadas para o Homem-Morcego do que para o rico playboy. A ideia de criar um escândalo jornalístico envolvendo o personagem é interessante e eu senti que daria para explorar mais este aspecto do que simplesmente fazer o Coringa sequestrar a menina. Por outro lado, o autor trabalha bem a forma como o personagem recebe a novidade. Apesar de termos o Damian Wayne como um filho do personagem na HQ, acho que a história do Marini descarta isso e nos coloca diante de um protagonista tentando entender as implicações de ter uma filha agora. Algumas das reações do Batman são um pouco estranhas (principalmente na segunda edição), mas eu percebi aonde o autor queria chegar.
A arte do Marini é algo que dispensa comentários. Ele é um dos melhores desenhistas europeus da atualidade. Basta ver sua série Águias de Roma para saber do que estamos falando. Seu estilo é todo pintado o que gera algo que poucas vezes vimos nos quadrinhos do Batman. Mas, vamos falar da arte dele nesta primeira edição. Aqui ele se dedica principalmente a fazer tomadas aéreas de Gotham, provavelmente para familiarizar o leitor com o cenário para depois construir suas cenas. Algumas dessas tomadas são belíssimas, como a imagem que está logo acima. Ali somos capazes de ver como o artista entende questões de perspectiva e tridimensionalidade. Um detalhe que eu vi poucos comentários a respeito dessa cena é como o Batman se integra com o cenário, parecendo uma gárgula. A gárgula é a figura ao lado ou é o Batman, mais à frente? Uma opção polêmica dele foi a de usar um outro conjunto de uniformes para os personagens, algo mais vintage como a roupa da Mulher-Gato que segue bem o modelo da Michelle Pfeifer no segundo filme lá da década de 1990. Já o Coringa ficou com um visual mais clássico também, puxando o lado mais palhaço do crime dele.
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