Fabio.Chagas 14/07/2021
Brutalidade e insanidade na medida certa ??
Valores Familiares (Family Values) é o primeiro trabalho cruzado de Lapham, aqui trabalhando ao lado do artista Javier Barreno. A série em sete partes conta a luta da família Pratt, criadores de cavalos na Carolina do Norte, para escapar dos cruzados. A dificuldade, já alta, cresce por conta dos segredos sujos entranhados no seio do grupo, liderado pelo patriarca, um homem violento e indigno, que sempre usa justificativas baseadas na religião para justificar suas decisões e atitudes. Ele é confrontado apenas pela filha Adaline, enquanto seus nove irmãos e sua mãe, assim como todos os empregados da fazenda, parecem viver em negação sobre as sujeiras praticadas pelo pai.
Fica claro que, assim como Roberto Kirkman executa de forma brilhante em alguns arcos de The Walking Dead, Lapham está disposto a mostrar que, mesmo em um mundo tomado por criaturas apavorantes, é o ser humano dito normal quem se torna mais assustador, pois não apenas consegue dissimular o que se passa em seu íntimo, como age com plena consciência do mal que faz ao seu semelhante. David também mostra que a realidade que cerca seus protagonistas às vezes cobra um preço alto no quesito sanidade.
Adaline, que narra a história, ainda tem que viver com a dificuldade de nutrir uma certa admiração pelo próprio pai, além do fato de, com o passar dos anos, ir aos poucos se tornando um pouco parecida com ele, no tocante ao que está disposta a fazer para garantir a sobrevivência dos seus. Ela também sofre por não conseguir lidar com o próprio instinto de sobrevivência, que a instiga a adotar atitudes que sua consciência considera desprezíveis, como abandonar crianças e feridos por estes serem um estorvo para a fuga dos demais.
No mais, os autores se esmeram em trazer as indispensáveis (para o universo cruzado, claro) cenas de revirar o estômago. Necrofilia, eviscerações, coprofilia, decapitações, incesto, canibalismo, amputações, piromania, urofilia, infanticídio? Claramente, os autores estão buscando alcançar o ponto de desconforto do maior número de pessoas possível. Da minha parte, que curto as histórias de Crossed, fiquei incomodado com as cenas envolvendo crianças, principalmente nas cenas que se passam na maternidade.
Bom, David Lapham faz um trabalho competente. Acho que ele está muito mais à vontade no arco posterior, Psicopata (Psychopath, no original, publicado em 2012), mas não compromete aqui. Os personagens carecem de carisma, você não consegue torcer por eles (nem acho que este seja o objetivo), mas todos tem a sua importância na história. Os diálogos são bem construídos e a coleção de insultos e escatologia que escapa dos lábios dos cruzados está adequada às cenas descritas acima. Há o problema de não conseguir fazer com que adolescentes e crianças soem como crianças e adolescentes em vez de mini-adultos irritantes e burros. O final é um pouco capenga, mas longe de mim criticar alguém por trazer um pouco de esperança a um mundo tão desprovido de luz.