Antologia Mitografias – Volume 1: Mitos Modernos

Antologia Mitografias – Volume 1: Mitos Modernos



Resenhas - Antologia Mitografias - Volume 1: Mitos Modernos


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erykasb 16/12/2018

Aproximando mitos de nós
Não me lembro a última vez que li uma antologia, por isso foi uma grata surpresa o quanto eu gostei dessa. Explorando diversas mitologias, cenários e personagens, Mitos Modernos é uma ótima opção para os amantes de fantasia e história. O tema em comum é basicamente trazer esses mitos antigos para a realidade que conhecemos, e os autores o executam magistralmente.
Há de tudo um pouco aqui, desde histórias mais cômicas, até as mais sensíveis e tocantes. Destaco aqui como meus favoritos os contos Calada (Isa Prospero), Sinfonia da Saudade (Jana P. Bianchi), Como Vencer o Minotauro (Saulo Moraes) e Intermitências (Michel Peres).
Apesar das histórias maravilhosas, considero bastante difícil dar 5 estrelas a uma antologia, justamente por possuir narrativas diferentes para diferentes gostos.
No geral, excelente livro e espero que lancem o segundo volume em versão impressão também, quero completar a coleção haha
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Paulo 29/07/2018

1 – Calada (Isa Prospero)

3 corujas

Uma boa história com uma pegada de romance policial em que a protagonista investiga estranhos assassinatos em que as vítimas tinham seus órgãos e sangue drenados. Achei a história bem construída e a autora vai jogando os detalhes pouco a pouco. É como se o mundo apresentado nesse conto fosse bem natural o que ajuda na suspensão de descrença do leitor. Não sei se a ideia da Isa seja criar mais histórias nesse mundo, mas eu fiquei curioso por mais. O mito que ela usa é bem surpreendente. A gente desconfia do que se trata, mas nos recusamos a acreditar.

Apesar de curtinha, a história é eficiente do início ao fim. Sem grandes firulas, a autora nos leva àquele mundo, conta sua história e encerra, deixando ganchos para outras histórias. Carmina é o protótipo da personagem impulsiva e imprudente, por isso ela se encaixa tão bem nesse tipo de história. Talvez o grande tema dessa narrativa seja o embate entre a forma de investigação tradicional e burocrática versus uma série de criaturas que não seguem exatamente as leis dos homens.

2 – Mãe de Fogo (Bruno Leandro)

1 coruja

Confesso que fiquei um pouco confuso sobre aonde o autor queria chegar. Temos um personagem chamado Inácio que vai buscar uma estranha caixa a mando de sua mestra. Mas, essa caixa vai colocá-lo no radar da mãe de fogo, uma criatura poderosa e ancestral. Mas, não sei… a narrativa não ficou harmônica. Pareciam duas histórias que não se comunicavam. Por um lado temos a relação entre um aluno e sua mestra que precisa deter uma ameaça poderosa; de outro temos uma caixa que pode render poderes incríveis a seu possuidor e é desejado pelo antagonista do conto.

O engraçado é que se for comparar com a primeira história, essa eu não tive uma suspensão de descrença. Eu consegui entender toda a questão dos espíritos e da relação entre aluno e mestra, mas o resto não consegui compreender bem. Faltou espaço para o autor trabalhar melhor os seus conceitos. Essa história em particular precisava de algumas páginas a mais para ligar os elementos dissonantes da história.

3 – Coração Dedo Duro (Romeu Martins)

3 corujas

Conto bem posicionado como uma quebra de ritmo entre os contos anteriores. A pegada do Romeu é mais em uma vibe humorística que ele consegue entregar bem. Os personagens são sarcásticos na medida certa. Senti como se fosse uma daquelas piadas rápidas que contamos no cotidiano e que fazem a gente se divertir. A escolha do título é uma homenagem a Edgar Allan Poe de uma forma bem curiosa. Bom ritmo, bom entendimento do gênero em que se inseriu e personagens que não fazem mais do que o necessário.

4 – Sinfonia da Saudade (Jana P. Bianchi)

3 corujas

Já acompanho o trabalho da Jana há algum tempo e sua escrita é igual a vinho: tem ficado cada vez melhor. Uma história emocionante e sensível ao mesmo tempo em que lida com o sobrenatural de um jeito bem único. Temos um marid chamado Akin que sofre com a maldição dos seus poderes. Ele vai perdendo parte de suas memórias a cada desejo humano atendido. E ele tem uma memória em especial que ele deseja manter. Mas, o seu instinto acaba sempre levando-o a ajudar pessoas com problemas.

A forma sensível como Jana aborda o conto não é forçada e atrai o leitor do jeito certo. Ela não precisa dar muitos detalhes sobre como tudo funciona. Basta dar algumas instruções iniciais e explicar como a física funciona que o resto acaba vindo naturalmente. Já na terceira página estamos vendidos na história e desejamos acompanhar o seu desenrolar. Temos duas grandes temáticas acontecendo aqui: a impotência do homem diante dos problemas da vida e a memória de pessoas preciosas. O que mais me tocou foi o segundo tema porque algumas memórias são tão preciosas como tesouros. E ver Akin precisando lutar de todas as formas possíveis chega a ser doloroso. Aquele final foi de partir o coração.

Por outro lado, a maneira como Akin observa a felicidade da família de Januário faz o nosso coração amolecer. Isso porque ele projeta aquilo que está acontecendo a suas próprias memórias. Essa associação entre as duas histórias que corriam em paralelo e se chocam faz com que a narrativa de Jana funcione bem.

5 - “Sem Cabeça” (Andriolli Costa)

2 corujas

Gosto quando um autor é ousado e finalmente utiliza algum elemento folclórico brasileiro para criar uma história que acharíamos totalmente clichê em outras circunstâncias. Vai dizer que ao ler esse conto você não achou familiar a forma como Andriolli conta? Pareceu a mim uma história de Harry Dresden, personagem famoso criado por Jim Butcher. Claro que o autor consegue dar personalidade a seus personagens, e o emprego de regionalismos fez essa característica ser ressaltada.

A construção da narrativa é bem simples e em três atos: uma introdução onde o mistério é inserido, o surgimento do protagonista e o encerramento do mistério com algum gancho ou tragédia. Parece simples para você? É. Mas, o que parece simples nem sempre é. Isso porque para o autor chegar a esse resultado, ele precisou apurar bem os detalhes inseridos, para que estes não se tornassem enfadonhos para o leitor. Repito: a narrativa só é simples porque o autor a tornou assim, com uma escrita talentosa e objetiva.

O tema da história é a violência que membros do clero impõem a seus fieis no interior. A gente vê como a população sabe o que está acontecendo, mas nada faz para impedir. Isso porque estas pessoas são as controladoras do cotidiano delas. O efeito sobrenatural acontece porque algo cruel foi cometido; a “natureza” deseja devolver ao homem o mal que foi feito. Não sei se a ideia do Andriolli é retornar a estes personagens, mas seria muito bacana se ele pensasse a respeito. A atmosfera que ele cria e o desenvolvimento do protagonista e de seu sidekick foi bem legal e eu gostaria de ler outras histórias.

6 - “Ponte para o Acreditar” (Paulo Teixeira)

2 corujas

Mais uma história bem doce e gentil em que uma pequena troll chamada Bianca comemora seu aniversário de 5 anos. Suas mães Carmen e Megan trocam troças uma com a outra durante a festinha e somos conduzidos pela história por Morgana, uma espécie de policial do sobrenatural. A história se passa em um futuro distante onde a crença por aquilo que não pode ser explicado já quase que completamente desapareceu. Criaturas que dependem da força do acreditar começam a sumir pouco a pouco.

Morgana conta para Bianca a história de como suas mães se conheceram. Temos aí um plot no estilo de Romeu e Julieta com duas famílias que não se gostam. Carmen é uma bruja enquanto Megan seria uma fada. Por conta de casos estranhos que acontecem na cidade, os dois lados são colocados um contra o outro. Mas, um acontecimento trágico ocorre que acaba por unir as duas mulheres.

Eu tenho sentimentos confusos em relação a essa história. Por um lado eu gostei, por outro eu não gostei. Achei que a construção do mundo ficou a dever, pois fiquei com muitas perguntas. Mas, a sensibilidade de toda a situação e a construção dos personagens é bem feita. Quando o leitor consegue individualizar os personagens significa que a escrita conseguiu preencher bem esta parte. Entretanto, eu caio novamente no outro problema: muitas coisas não se encaixaram. É como se eu tivesse um quarto bonito, mas as coisas estivessem bagunçadas.

7 – E Tudo vai ficar pior (Rodrigo Rahmati)

1 coruja

Essa é uma daquelas histórias de fritar o cérebro. Ou você gosta ou você não gosta. Para mim, não funcionou. Um estranho personagem que recebe o nome de John Hammond foi incumbido por sua deusa (já que ele é uma espécie de representante dela) a buscar uma reunião com Anúbis. Para isso, John vai buscar o representante de Anúbis. Ao chegar lá, ele percebe que para poder conseguir essa audiência para sua deusa, ele precisa molhar a mão do representante com algum objeto único.

Posso estar enganado, mas eu acho que essa história se passa no mundo de O Arquivo dos Sonhos Perdidos. Como eu não li, não estou bem familiarizado com o funcionamento do mesmo. E me parece que sem esse conhecimento, a história acaba não se conectando com o leitor. A escrita é boa, repleta de mistérios espalhados a cada página e referências estranhas cujas respostas são dadas apenas parcialmente. Muita coisa é deixada para que o leitor monte as peças do quebra-cabeças.

A história tem um bom ritmo e os personagens funcionam dentro deste pequeno espaço criado pelo autor. Novamente: me parece que existe um sentido ulterior para a história, mas não fui capaz de captá-lo.

8 – No Olho do Furacão (Cassiano Rocha)

1 coruja

Essa é uma história cuja ideia básica é reunir alguns mitos no mesmo espaço e contar uma história com ares contemporâneos. Novamente não fui capaz de me conectar à narrativa talvez pelo tamanho dela. Alguns de vocês devem estar pensando: poxa, mas isso é um conto… ele é feito para ser curto. Sim, mas em certos casos, a história pede que você se alongue um pouco para dar um ritmo adequado a ela.

Aqui os personagens não conseguem dar o impacto suficiente ao leitor para que ele entenda e aprecie a história. Saci está sendo acusado de ter matado Tupã e ter fugido com Jaci. Pelo próprio caráter mentiroso de Saci ele é o principal suspeito e o protagonista veio decidido a pôr fim ao caso. Mas, ele quer saber as motivações que levaram o suspeito a cometer o crime. Eu entendi que a ideia era fazer uma narrativa bate-e-pronto, mas ela não funcionou bem neste sentido. Faltou um pouco mais de espaço para que o leitor pudesse se envolver.

O autor tem uma boa mão para a criação de tensão e construção de cena, entretanto, ele esbarra nessa falta de espaço. Queria ter visto algo maior e até leria a mesma história com mais páginas para o autor se espraiar.

9 – Esculturas Perfeitas (Leonardo Tremeschin)

2 corujas

Uma boa maneira de mesclar alguns mitos para formar uma história coesa. Não senti nenhum problema aqui. A gente tem um estranhamento inicial quando ouve Pigmaleão e Perseu na mesma sentença. Mas, aos poucos o autor vai dando forma às palavras e construindo, como um artista, a narrativa de sua história.

Pigmaleão é um escultor que tem problemas na parte criativa de suas obras. Ele conhece um vizinho chamado Perseu que, para inspirá-lo, lhe dá uma linda estátua que possui características humanas demais. O leitor que conhece um pouco de mitos sabe aonde vai dar isso, mas aqui o autor soube trabalhar o clichê a seu favor. Não é o final que importa necessariamente, mas a maneira como ele vai chegar lá.

Os parágrafos são belamente criados mostrando a angústia de um artista que não consegue encontrar o seu rumo. E diante dele está uma obra de arte encantadora por demais. Ele deseja de corpo e alma saber como chegar naquela excelência. O conto é competente e consegue finalizar muito bem com um belo plot twist.

10 – O Voo das Mulheres-Pássaro (Ana Lúcia Merege)

3 corujas

Já referi ao fato de a Ana Lúcia ser muito mais uma contadora de histórias do que uma escritora. Aqui ela mostra mais uma vez essa característica. Não parece que você está lendo um livro; parece que a Ana está sentado junto conosco em frente a uma fogueira nos contando uma história fantástica. Ela fornece elementos fantásticos a uma história absolutamente comum.

Ana Maria e Riad são um casal que está tentando ter um filho. Após buscarem vários procedimentos médicos eles estão no limite de suas esperanças. Ambos se conheceram devido a seu amor por mitos fenícios e alguns até mais antigos. É então que eles decidem partir para a fé, mas não uma fé em deuses modernos, mas uma fé mais antiga, tão antiga como o princípio dos tempos. Talvez um milagre possa acontecer. E é com essa história repleta de sentimentos e fé que somos levados a conhecer esse casal encantador e a desejarmos que eles obtenham sucesso em sua empreitada.

Os personagens são muito bem delineados e embora seja uma história curtinha, Ana Lúcia consegue dar vazão a tudo o que o leitor precisa saber e entender. Só não é a melhor história da coletânea porque apareceu algo formidável logo a seguir. Mas, a Ana Lúcia continua a me surpreender.

11 – A Proclamadora ou Uma História sobre Cactos (Alessandra Barcelar)

3 corujas

Ousadia é sempre uma característica interessante em um autor. Desejar mudar os paradigmas, buscar a sua própria identidade, criar algo novo em uma arte milenar. É isso o que Alessandra faz nesse conto. Para muitos, vai parecer um conto estranho, sem nexo e com uma pontuação bizarra. Para mim, é arte.

Que maravilha é poder presenciar um conto tão cheio de significados e usando ferramentas tão fora da caixa. Explico: Alessandra não emprega letras maiúsculas entre pontos continuativos ou sequer no início de parágrafos. Isso dá um efeito de linearidade que assusta o leitor. Ao mesmo tempo demonstra um pouco da temática que ela emprega na história: uma protagonista abrindo o seu coração para explorar os seus sentimentos diante de um amor que a faz sofrer. E ela para se defender da crueldade deste amor, acaba gerando uma muralha de espinhos (não literais, mas simbólicos, metafóricos) que afasta as pessoas. A vida é como um imenso deserto, para ela. E esse deserto que recobre sua alma é representado pela linearidade na pontuação. A leitura do conto é difícil e parece maior do que é de verdade. Isso porque os parágrafos são longos, a ausência da visão do ponto continuativo, de diálogos. Tudo contribui para nos deixar angustiados, sedentos.

Não só isso, mas a presença de fluxos de pensamento tornam a leitura complexa, obrigando o leitor a se deter nos parágrafos para entender os simbolismos escondidos. Alguns momentos são verdadeiros socos no estômago como quando ela se compara a um cacto e demonstra o motivo disso. Ao final, ela me abalou de tal forma que eu precisei de algum tempo para digerir as ideias que ela havia me apresentado. A Alessandra conquistou o meu pequeno coração de leitor. Parabéns pela ousadia! E eu quero ver muito mais!!

12 – Gerente de Sinistros (Lucas Ferraz)

3 corujas

Essa é uma história que se encaixa bem na proposta da antologia. Apresenta mitos ambientados nos dias de hoje com uma pegada bem diferenciada. Em alguns momentos, esse conto se parece muito com as histórias do Constantine, que o Lucas faz uma brincadeira logo no começo da história. Temos um personagem que está investigando uma série de sinistros estranhos (batidas inexplicáveis de carro) e acaba envolvido em uma trama mais complexa do que ele imagina.

Aqui nós somos colocados como brinquedos nas mãos de seres divinos. Somos pequenos demais para sequer chamarmos a atenção destas criaturas além da imaginação. Claro que a história brinca com isso, fazendo com que o protagonista consiga se safar dessa justamente por sermos insignificantes demais para sermos percebidos.

A escrita do Lucas é muito boa e consegue fazer você sentir o cheiro da narrativa. As linhas de descrição nos levam para dentro da história onde eu me senti parte do que estava acontecendo ali. É uma história bem redondinha, com início, desenvolvimento e conclusão. Ah, e o emprego do elemento folclórico brasileiro foi muito criativo. Gostei!

13 – Como Vencer o Minotauro (Saulo Moraes)

2 corujas

Mais uma história que se envereda por um lado mais cômico e tenta brincar um pouco com os mitos. Gostei da apropriação que o Saulo fez da história do minotauro e como ele procura dar um ar cômico a uma história já batida. Me fez pensar no teatro grego em que se destacava o dramaturgo que soubesse criar uma narrativa mais original a partir de um mesmo mito.

Infelizmente a comicidade do conto não funcionou para mim. Achei divertido, mas sei lá. Sabe quando a proposta funciona para outras pessoas e para você, não? Foi assim. A proposta e as brincadeiras foram originais, mas não consegui comprar o lado engraçado da história. Acho que os leitores vão curtir a forma como a narrativa vai em um crescendo até chegar ao final que precisava de um plot twist mesmo. A história é progressiva e vai empilhando os fatos para que a gente possa construir o que imaginamos ser o final. Gostei disso.

14 – Intermitências (Michel Peres)

3 corujas

Quem diria que eu iria encontrar um enredo de ficção científica tão criativo no final de uma coletânea sobre mitos modernos? Maneira muito original de encerrar a antologia. A história é sobre uma protagonista que curte jogar MMOs abandonados por causa da liberdade que isso proporciona a ela. Só que ela vai ter um estranho encontro dentro do mundo de seu MMO abandonado favorito.

A narrativa é contada em primeira pessoa através de registros da protagonista. Então vamos tentando entender como ela interpreta as situações na qual ela se encontra. Ela não é uma narradora confiável justamente pela falta de compreensão que ela tem sobre o que ela está vivenciando. Isso ajuda a construir uma imagem bem curiosa sobre os acontecimentos. Toda vez que acreditamos ter certeza sobre alguma coisa, não é bem aquilo que está acontecendo. Somos enganados e desviados da verdade o tempo todo pelo autor.

Achei o final bem curioso e esse aporte entre realidade e virtualidade é muito legal. Será que na situação dela, não faríamos a mesma confusão entre o que está acontecendo no mundo real e o que acontece no universo do jogo? Esse é um tema que se tornou bem comum em narrativas que se debruçam sobre esse tipo de história.

site: www.ficcoeshumanas.com
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Amanda 15/07/2018

O poder dos mitos
Como é possível que os mitos permaneçam sendo contados, geração após geração, por séculos a perder de vista, e nunca percam essa magia que nos atrai para suas histórias fantásticas? Ainda que sempre revisitemos os clássicos mitológicos, nunca perdemos o interesse em novas versões, em aprender mais, saber mais e nos aprofundarmos em questões diversas sobre metáforas, significados e lições. O pessoal do Mitografias explorou muito bem essas lendas clássicas, aproximado-as da nossa realidade e trazendo novos olhares para os mitos modernos.

Adoro ler contos. O poder das histórias curtinhas é incrível e geralmente proporcionam uma leitura arejada, rápida, e, ainda assim, envolvente. Eu esperava isso tudo de Mitografias, e consegui algo muito além. A organização foi ótima porque, mesmo com alguns contos mais fracos que outros (bastante normal de acontecer em coletâneas), o ritmo e a unidade do trabalho não se perdem. O primeiro conto, Calada, de Isa Prospero, inclusive, foi uma escolha inteligente para iniciar a antologia. Impactante, instigante, a partir daí é impossível largar o livro. É bem verdade que ele eleva o nível das expectativas, mas é só o ponto de partida. Como são catorze contos, vou me ater a uma breve análise dos meus favoritos e alguns destaques que precisam ser comentados.

O Voo das Deusas-Pássaro, de Ana Lúcia Merege

Ana Lúcia Merege escreveu um dos melhores, se não o melhor conto do Mitografias. Baseado na mitologia fenícia, conhecemos o casal Riad e Ana Maria, dois imigrantes, ele da Síria, ela do Líbano. Eles não conseguem engravidar de forma natural e começam a ver as opções minguarem, mas não suas esperanças. A narrativa é muito bonita e sensível, envolvente, e a escrita da Ana Lúcia transmite todos esses sentimentos de forma simples, gostosa. É uma história sobre acreditar e de não perder a esperança, e, sem dúvidas a que mais conversou comigo.

Sem Cabeça, de Andriolli Costa

Andriolli escreveu sobre o que eu mais queria ler no Mitografias: folclore brasileiro. E não é qualquer folclore, não. A repaginada proposta pelo projeto antológico se faz mais do que presente em sua versão crítica, atual e consciente de um dos mitos mais conhecidos pelos brasileiros, denunciando uma sociedade machista que sempre associou a mulher ao pecado. Se o conto da Ana Lúcia foi o mais belo, o do Andriolli ganhou meu coração pelo posicionamento social.

Sinfonia da Saudade, de Jana P. Bianchi

Mais uma história envolvendo imigração e, novamente, uma narrativa sensível e emocionante. Jana conta a história do Akil, um marid em terras brasileiras, cheio de saudades e arrependimentos. O conto é extremamente sensorial e marcado por um tom nostálgico, de uma beleza com uma pontinha de melancolia. A conexão com o personagem é imediata e a autora conseguiu, em tão poucas páginas, me deixar apaixonada pela sua escrita.

Como Vencer o Minotauro, de Saulo Moraes

Quando eu comecei a ler esse conto, fiquei totalmente cética. Saulo tem uma proposta tão subversiva de um dos mitos mais clássicos da humanidade que eu fiquei até ofendida. E terminei mordendo a língua com a certeza de que o seu Minotauro foi uma das histórias mais engraçadas, com uma das sacadas mais espertas da antologia. O autor escreveu brincando e fez o que quis, de forma despojada e desprendida de regras e classicismos. É o tipo de história impossível de se esquecer.

Coração Dedo-Duro, de Romeu Martins

Mais um autor que usa e abusa do humor na modernização de uma mitologia secular, Romeu brinca de forma ousada em um conto bem curtinho, mas nem por isso menos incrível. Esse é o terceiro conto da antologia e equilibra bem o clima mais sério das narrativas até então e descontrai o leitor de forma criativa.

Além desses, eu preciso destacar No Olho do Furacão, do Cassiano Rodka, outro conto folclórico excelente, atualizando uma das nossas histórias mais populares de forma intrigante e esperta como deveria mesmo ser, traduzindo bastante da cultura brasileira, e Esculturas Perfeitas, do Leonardo Tremeschin, uma fantasia maravilhosa com um quê de terror gótico muito bem construído.

Nem todos me agradaram, alguns foram bons, mas sem um grande atrativo e houve dois realmente mais fracos, não tão interessantes e que poderiam ter sido melhor trabalhados, inclusive na temática que não é tão bem delineada.

E, assim como comentei do início da jornada pelo Mitografias, compondo conto a conto uma seleção de histórias com nuances e sentimentos diversos, porém equilibrados, não poderia ter havido escolha melhor para finalizar a obra do que Intermitências, de Michel Peres, que merece um grande destaque por ser o único conto de ficção científica e é assustadoramente bom! Michel escolheu um tema com uma infinidade de desdobramentos possíveis, mas que poderia facilmente ter caído em uma solução previsível, o que não acontece, muito pelo contrário. Fechamos o livro com um nó na cabeça e uma vontade desesperadora de ler mais Mitografias.

Mitografias venceu o prêmio LeBlanc de 2018 na categoria Melhor Antologia Nacional e é uma ótima oportunidade para visitar as histórias de autores nacionais já conhecidos e descobrir novos trabalhos. Foi uma experiência excelente e precisa ser lido e divulgado!

​Você pode baixar o e-book gratuitamente pelo link http://www.mitografias.com.br/antologia-mitografias-volume-i-mitos-modernos/ .

site: http://www.ficcoeshumanas.com/fantasia--ficcao-cientifica/resenha-antologia-mitografias-vol-1-mitos-modernos-organizado-por-leonardo-tremeschin-andriolli-costa-e-lucas-rafael-ferraz
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Ricardo Santos 19/05/2018

Deuses brasileiros... ou quase
O site Mitografias é um dos mais completos portais sobre mitologias à disposição. Lá você encontra podcasts, resenhas, artigos, trabalhos acadêmicos e outros conteúdos sobre vários aspectos das mitologias ao longo da História. Destaque para o folclore brasileiro. A literatura fantástica ganha bastante espaço no site. Inclusive há a publicação de uma coletânea anual de contos. O edital de submissões da 2ª edição está aberta.

No primeiro volume, vencedor do Prêmio Le Blanc, a coletânea teve como tema “mitos modernos”. São 14 contos em que diversos mitos ganham uma abordagem contemporânea. Sem dúvida, foi um dos melhores lançamentos de 2017, no Brasil. Uma iniciativa independente e gratuita que não deve nada para o que foi publicado comercialmente no ano passado.

Mitos Modernos é uma bela amostra do que a literatura fantástica nacional é capaz de produzir. Não há nenhuma história ruim na coletânea. Mas algumas se destacam pela criatividade narrativa e tratamento dos temas levantados. Estes são meus contos preferidos:

“Calada”, de Isa Prospero. Texto fluido e elegante, conduzindo bem uma mistura de fantasia urbana e trama policial. A cativante protagonista tem potencial para novas histórias.

“Mãe de Fogo”, de Bruno Leandro. O clima é de Harry Potter, mas com um toque original e uma maturidade acima da média. Material promissor para uma obra juvenil de maior fôlego.

“Sinfonia da saudade”, de Jana P. Bianchi. Este conto por pouco não se tornou o meu n°1. Inspirado na cultura árabe, e tendo um djin como protagonista, acompanhamos uma poderosa história sobre migrações e adaptação. Tocante.

“Sem cabeça”, de Andriolli Costa. O conto mais redondo do livro. Impressiona a habilidade do autor em combinar folclore nacional com questões contemporâneas. Forma e conteúdo casam perfeitamente. Diverte o leitor e faz pensar.

“O voo das deusas-pássaro”, de Ana Lúcia Merege. A grande mestra da literatura fantástica nacional nos brinda mais uma vez com um generoso conto envolvendo História e invenção.

“A proclamadora”, de Alessandra Bacelar. O conto que mais chutou o balde, o mais diferentão. Sem nenhuma preocupação com classificações ou rótulos, o texto experimenta sua narrativa e intriga o leitor.

“Intermitências”, de Michel Peres. O conto com a estrutura mais inventiva da coletânea. Mitologia e realidade se confundem durante partidas de um game on line. Cada vez mais, o protagonista se enreda numa trama cheia de fascínio e desespero.
http://www.mitografias.com.br/antologia-mitografias-volume-i-mitos-modernos/
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Rahmati 29/11/2017

Uma ótima coletânea!
A proposta dos organizadores — o Leonardo Tremeschin, criador do site Mitografias; o Andriolli Costa, do site Colecionador de Sacis; e o Lucas Rafael Ferraz, da revista Trasgo e do site Leitor Cabuloso — foi abordar mitos clássicos, de quaisquer mitologias, em roupagem atual, nas cidades, no nosso mundo contemporâneo. Claro que, uma vez que meu mundo de fantasia (apresentado em O arquivo dos sonhos perdidos e mais esmiuçado nos contos Noturno deserto, Lugar nenhum e My shadow plan) é basicamente isso, não perdi tempo em enviar um conto para o site organizador. Meu conto foi aprovado e meu prazer só foi maior porque o Lucas, que conhece meu trabalho, conversou com o pessoal do Mitografias e acharam por bem me convidar para ser o revisor da obra. Espero ter feito um bom trabalho :)

Vou aproveitar e fazer, então, uma breve apresentação sobre cada um dos contos.

• CALADA, de Isa Prospero
Este é um conto policial que se passa na Itália. Muito bem escrito, muito bem desenvolvido e com um timing excelente. Quando fiquei sabendo que foi a primeira coisa publicada da autora, fiquei bobo. Tem muito futuro! Na trama, corpos começam a aparecer, e as mortes claramente foram causadas por alguma coisa muito incomum — até mesmo para a detetive Carmina Sordi, que investiga unicamente esse tipo de coisa. Calada foi uma excelente escolha para abrir a coletânea.

• MÃE DE FOGO, de Bruno Leandro
Um conto de fantasia, onde nos é apresentado um mundo com mestres de magia e pupilos, realidades paralelas e lugares fora do tempo. O personagem principal é Inácio Flores, que está aprendendo melhor os detalhes de tudo que o cerca.

• CORAÇÃO DEDO–DURO, de Romeu Martins
Um conto de fantasia, mas também de comédia. Bem curto, mas bastante divertido, atualizando de maneira inteligente e criativa um mito bem antigo :)

• SINFONIA DA SAUDADE, de Jana P Bianchi
Tenho dificuldade em dizer se este é ou não o melhor conto da coletânea. É realmente muito bom. Conta a fantástica história de Akil e de Januário; como eles se conhecem e se ajudam. É uma história sobre memória, sobre saudades e sobre a amizade. Jana Bianchi mandou realmente muito bem aqui, e depois de ter lido o livro dela pela Dame Blanche, o Lobo de rua, percebo que ela está se tornando uma das melhores autoras de fantasia dessa nova geração.

• SEM CABEÇA, de Andriolli Costa
O primeiro conto dos organizadores da coletânea, e felizmente vemos que eles não estão aqui por nepotismo, haha. Nesse conto, também de fantasia, somos apresentados ao divertido padre Ignácio, que vem investigar o evento conhecido como O massacre de São João del Rei, e bagunçar as coisas por ali, hehe. A mitologia brasileira é muito bem representada, e a crítica social é muito pertinente.

• PONTE PARA O ACREDITAR, de Paulo Teixeira
Praticamente uma fábula, esse conto apresenta uma família bem diferente e amorosa — Megan e Carmen, e sua filha Bianca —, e sua trama mostra como essa família foi formada, superando todas as dificuldades e preconceitos. Apesar de parecer uma história no passado, na realidade se passa no futuro, e isso dá um nó legal no cérebro, haha.

• E TUDO VAI FICAR PIOR, de… eu :)
Esse é o meu conto — para variar, de fantasia. Acho que era inevitável a maioria dos contos serem deste gênero, em se tratando de uma coletânea de mitologias reimaginadas. Enfim. Meu conto é passado em Acqua, a versão da Terra apresentada no meu romance O ARQUIVO DOS SONHOS PERDIDOS. Pode ou não ter relação com aquela história, mas isso não faz diferença aqui. Acabou sendo o maior conto da coletânea, e tive a felicidade de ter sido selecionado antes de ter sido convidado para revisar o livro :) Espero que gostem.

• NO OLHO DO FURACÃO, de Cassiano Rodka
O conto mais curto da coletânea e, apesar da temática, não é, de fato, um conto de fantasia. Tem uma pegada meio Deuses americanos, e sua atmosfera é muito bem construída, bem noir e marcante.

• ESCULTURAS PERFEITAS, de Leonardo Tremeschin
Outro conto de outro dos organizadores. Apesar de não ser “escritor de nascença”, o autor cria uma história muito interessante, que surpreende e inverte papéis numa mitologia que poderia ter sido aproveitada de maneira bem mais convencional — e felizmente não foi :)

• O VOO DAS DEUSAS–PÁSSARO, de Ana Lúcia Merege
Outro forte concorrente a melhor da coletânea. A autora utiliza muitíssimo bem o discurso indireto livre, e tem um estilo totalmente consolidado. Tenho até dificuldade em falar dessas narrativas boas sem abundar em adjetivos e advérbios, haha. O conto — outro que tem carinha de fábula — conta a história do casal Riad e Ana Maria, que estão com dificuldades de engravidar. É, na verdade, um conto sobre o amor e a compreensão.

• A PROCLAMADORA (OU UMA HISTÓRIA SOBRE CACTOS), de Alessandra Barcelar
Esse é um conto… diferente. A autora tem um estilo todo próprio, e sua prosa é altamente poética. O tema “mitologia” aparece aqui de forma fortemente figurada, e não estou certo sobre meus sentimentos sobre ele, hehe. (O Lucas me advertiu, quando da revisão: talvez haja um conto que não seja bem o seu estilo :P) Gostei dele, mas ainda não sei bem por quê.

• GERENTE DE SINISTROS, de Lucas Rafael Ferraz
Outro conto policial (e do terceiro dos organizadores), mas dessa vez o protagonista não é um policial — é um investigador sobrenatural, Constantino, que acaba envolvido com algo bem maior do que ele esperava. O conto, escrito no presente como tempo verbal, gera uma ótima sensação de imersão na investigação.

• COMO VENCER O MINOTAURO, de Saulo Moraes
O segundo conto de comédia da coletânea — e outro que atualiza de maneira muito divertida uma mitologia clássica bem conhecida. Aliás, que a subverte totalmente, haha. O personagem principal é o principal concorrente do personagem do título, numa acirrada competição de… stand–up comedy.

• INTERMITÊNCIAS, de Michel Peres
E eis o terceiro concorrente a melhor conto, e o único conto de ficção científica. Michel Peres é, aliás, um autor que está se destacando bastante nesse gênero (compensa demais, inclusive, ler o conto dele que saiu no Leitor Cabuloso). No formato de entradas de um blog, o conto tem um quê de terror, gerando um estranhamento bem desconfortável — mais uma vez, ponto para o autor.

Então é isso. Foi um prazer revisar e fazer parte dessa coletânea, e espero fazer novamente os dois papéis se houver um “volume 2”. Recomendo — desnecessário dizer, até — fortemente o download do e–book no site Mitografias, e espero que todos gostem tanto do resultado quanto eu gostei.

site: www.mitografias.com.br
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Vinícius 22/11/2017

Ótimas histórias, embora um pouco desequilibrado
A Antologia Mitografias foi uma grata surpresa que saltou na minha timeline do Facebook. Já acompanho alguns dos autores desta obra (como a Jana P. Bianchi, Lucas Ferraz, Andriolli Costa), e fiquei muito feliz em conhecer novos, principalmente o Saulo Moraes e o Michel Peres.

Minha resenha será rápida. Primeiramente, preciso dizer que a maioria dos contos são muito bem escritos, com histórias cativantes e envolventes. O problema se dá em duas situações: 1. há contos MUITO mais envolventes que os demais, o que é comum em antologias, mas que nesta destoa muito; 2. Em alguns momentos, fiquei confuso quanto à proposta do livro, principalmente em relação ao título... fiquei com a impressão de que alguns autores deturparam um pouquinho o tema, mas faz parte.

Os pontos altos do livro foram o conto da Jana P. Bianchi, muito intimista, com toques de humor e sentimentalismo; do Andriolli Costa, principalmente ao final, com sua análise típica sempre presente em seu podcast Popularium; e aos supreendentes Saulo Moraes e Michel Peres.

O conto do Saulo, "Como Vencer o Minotauro", foi uma surpresa do começo ao fim. Foram três momentos de quebra de expectativa que me deixaram muito empolgados com a história. O tom humorístico é bem dosado e bem colocado, muito bom. Gostaria de acompanhar mais histórias.

O conto do Michel Peres me surpreendeu quanto ao seu conteúdo e forma, ambos originais, ao meu ver. O final, embora um tanto confuso e sem um encerramento que eu julgo satisfatório, destoa, mas não estraga o trabalho.

Enfim, Mitos Modernos é uma coletânea muito empolgante e que nos deixa ansiosos para o próximo volume.
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