"Depois da morte de Jaci aconteceu algo que só agora posso revelar." Assim começa este Terra do Fogo, de Edmar Oliveira, que nos torna reféns de sua elegante narrativa. Trata-se do retorno ao cenário de uma certa infância nas margens do Rio Parnaíba, infância que acompanha o narrador na idade adulta. Através dela seguimos apalpando com a imaginação suas vivências exumadas nas gavetas da memória o cheiro da terra molhada; a casa velha e empoeirada, com seus utensílios fora de uso; as vozes humanas perdidas no irrevogável ontem. Nessa obstinada busca e remontar o mosaico do vivido nas ínfimas relevâncias da vida miúda, não há situações preferidas, posto que, mesmo no cascalho das dores passadas, é possível encontrar alguma pepita de alegria.
Devagar, as lembranças vão se levantando para recebê-lo no casarão em que passou um pedaço importante do início de sua vida, e , na medida em que adentra o recinto tão conhecido do seu imaginário, as camadas sobrepostas do passado se revelam: "Com o candeeiro a iluminar o percurso, passei pelo quarto e hóspede que habite i no passado e nele não era preciso descobrir os móveis, pois os lençóis não cobriam o que conhecia tão bem. Mas me detive por um tempo para recordar o que estava por baixo dos panos."
E o narrador prossegue na primeira pessoa a incorporar as lembranças da tia jaci e do seu Alarico, o velho comunista que estruturou politicamente, sua visão de mundo; prossegue arrastando fatos que inquietaram o Piauí da década de 1940, como os incêndios das casas de palha, em Teresina. O livro se apodera dessas lembranças para relatar o desmonte das populações despossuídas, em face da mudança de pele da cidade, do avança indiscriminado dos poderosos sobre a área dos pobres.
Não é pouco o que esta obra guarda em suas páginas de histórias desdobráveis, ordenadas em camadas sutis, uma coisa puxando a outra, num tecido verbal de fios que se entrelaçam.
Sem dúvida, neste Terra do Fogo, o leitor encontrará os ingredientes de uma trama romanesca instigante, onde os conflitos de uma época se misturam a dramas familiares que envolvem amor, lealdade e traição, repaginados pelo olhar e alguém que se redescobre nas pegadas da sua infância, pois como já nos disse o famoso samba: "Voltar/quase sempre é partir/ para outro lugar."
Ficção / Romance