Viagens no Scriptorium

Viagens no Scriptorium Paul Auster


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Viagens no Scriptorium





Fechado num pequeno quarto e vigiado o tempo todo por câmeras e microfones, um homem de certa idade busca reconstituir sua memória. Ele não sabe onde está - hospital, prisão, asilo? - e muito menos o que faz ali. Todos os dias, recebe a visita de uma enfermeira que lhe desperta lembranças imprecisas e dolorosas e, mais esporadicamente, de um ex-policial. Aos poucos, descobre que no passado foi alguém com o poder de enviar pessoas a missões difíceis e perigosas das quais muitas não voltaram com vida. Sobre a escrivaninha do quarto o homem encontra um manuscrito inacabado. É a história de um agente de uma grande potência, numa época indeterminada, que ultrapassa clandestinamente a fronteira entre seu país e as terras bárbaras a fim de investigar uma possível insurreição dos povos independentes. Uma história ilumina obliquamente a outra, e o protagonista sai de sua letargia ao imaginar uma continuação para o manuscrito. Ao lado do persistente desejo sexual, a fabulação literária parece ser a única força que o mantém vivo. Desse início intrigante, mero fiapo de história que sugere uma trama de espionagem, Paul Auster torna a surpreender seu leitor, encaminhando-o sutilmente a uma reflexão sobre o ato de escrever ficção. Não por acaso, o nome do protagonista é Blank, que em inglês indica o papel em branco, o espaço vazio, o vácuo a ser preenchido, o alvo a atingir. Um dos encantos dessa pequena narrativa está justamente no fato de colocar o leitor numa posição análoga a de Blank, que tem que descobrir aos poucos quem é e o que faz naquele local. Saindo um pouco de seu registro habitual, de ambientação realista, urbana e contemporânea, mas sem perder o encanto envolvente de sua prosa, o autor compartilha com o leitor, em Viagens no scriptorium , as agruras e delícias do ofício de inventar e escrever histórias.

Saiu na Imprensa:



Zero Hora / Data: 10/3/2007

Fora do script

Em seu novo livro, Viagens no Scriptorium, Paul Auster constrói fábula metalingüística



MAURÍCIO AZEVEDO



Impossível não lembrar da série Lost ao ler as primeiras linhas de Viagens no Scriptorium (Companhia das Letras, 128 páginas). Personagens neuróticos; a presença de um olho que tudo vê e de tudo sabe; perguntas sem respostas, que se acumulam página após página; clima de constante suspense e aparente desespero.



Mas as semelhanças (felizmente!) param por aí. Ao contrário dos roteiristas preguiçosos da série, Paul Auster sabe que uma história deve estar sempre presa à coerência e à sua própria verossimilhança. Elaborar o primeiro parágrafo é trazer do virtual ao real a idéia que se pretende desenvolver. Uma vez cumprida essa etapa, o restante do texto estará inevitavelmente a serviço do que foi proposto na primeira linha. Escrever é ampliar.



Essas balizas (que qualquer vestibulando conhece e até domina com razoável competência) acabam se tornando grandes impedimentos para a elaboração de um texto com estilo. Especialmente na literatura, onde liberdade tende a rimar com vaidade, fazer a manobra certa, encaixar transgressão estética com coesão temática, é um desafio até para os grandes. É justamente por isso que tudo parece estar no lugar em Viagens - afinal, o nome Paul Auster tem sido, ao longos dos anos, sinônimo de boa prosa e ótima ficção.



A história, simples na forma, traz um homem chamado Mr. Blanks, que subitamente despertou num quarto vigiado por câmeras. Ele não sabe onde está, tampouco quem é, mas uma insuportável sensação de culpa o acompanha o tempo todo. Familiar? Certamente. Kafka, em O Processo, já havia examinado esse sentimento através de seu injustiçado Joseph K.



Auster vem flertando com a temática kafkiana há bastante tempo. Primeiro em 1982, com o investigativo A Invenção da Solidão, em que faz uma versão romanceada de sua própria carta ao pai. Kafka não é citado diretamente. E nem precisa. Para bom leitor, meia referência basta. Recentemente, Desvarios no Brooklin, em seu melhor momento, aproveita para exaltar a conduta pessoal do autor checo.



Para o leitor atento, Mr. Blanks será rapidamente identificado como sendo o próprio Auster, que se vê finalmente encurralado pelo poder de sua prosa. Seus personagens cobram dele os infortúnios que viveram. A esposa morta de David Zimmer (personagem do excelente O Livro das Ilusões) surge ao lado de Benjamin Sachs (do político Leviatã) numa espécie de sessão psicanalítica do autor. Viagens ao Scriptorium é feito da imagem e da lucidez de quem insiste na idéia de que a construção do presente passa pelo confronto direto com nosso próprio passado.



Enquanto a palavra cria o mundo, Paul Auster vai conduzindo magistralmente sua fábula metalingüística. Eis um romance escrito com a convicção estética de quem carrega a austeridade ao lado do próprio nome.



Sobre o autor:



AUSTER, PAUL

Paul Auster is the author of numerous works of fiction, including Mr. Vertigo, Leviathan, The Music of Chance, and the three New York Trilogy novels: City of Glass, Ghosts, and The Locked Room (all Penguin).











Ficção / Literatura Estrangeira / Romance

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Através de Blank, uma pessoa sem nome, Paul Auster nos faz refletir sobre nosso papel no mundo, sobre a construção da nossa história de vida. O personagem se encontra isolado (bem apropriado para o momento em que vivemos) e através da interação com as pessoas que entram em seu quarto, tenta descobrir mais de seu passado e lidar com o preço de suas ações. O escritor faz uso da metalinguagem, e, autor e obra se confundem ao final. Excelente.... leia mais

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Lívia Galvão
cadastrou em:
28/02/2009 00:10:31

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