Só mesmo a ousadia do inglês Martin Amis para inventar uma história jamais imaginada por qualquer escritor: uma história em marcha à ré. A seta do tempo fascina o leitor com a façanha extraordinária de seu criador; a inversão do tempo da narrativa. O futuro que acontece primeiro do que o passado. A ferida precede o tiro, os mortos revolvem as sepulturas e voltam à vida, o protagonista, Old Tod, um velho americano regride ao seu passado macabro até chegar ao fim, ao útero de sua mãe.
Martin Amis foi originalíssimo neste A seta do tempo, escrito na mesma época em que havia se transformado na Madona do mundo literário inglês, seja por seus contratos à beira de US$ 1 milhão, por suas ruidosas trocas de esposas, pelo preço de seu dentista ou por mera inveja de colegas menos brilhantes. O que importa é que a narrativa invertida de A seta do tempo de fato nunca foi experimentada pela literatura. Intrigou a todos, ao mesmo tempo em que delicia o leitor com um exercício insólito de imaginação. O escritor inglês Frank Kermode, autor de The uses of errors, confessou ter mergulhado em teorias filosóficas sobre o tempo para avaliar se é viável a existência de uma história em marcha à ré. Concluiu que não é possível, mas, no entanto, Martin Amis a escreveu de maneira saborosa. Isto porque, embora a narrativa se dê em sentido contrário, as informações passadas ao leitor crescem no sentido habitual e a trama avança para um desfecho que, sem contradições, contém, na barbaridade de um campo de extermínio e na perversidade de um ser monstruoso, uma ternura surpreendente pela humanidade. A história começa com um narrador agonizante rodeado por médicos. Ao invés de morrer, ele volta para a vida e encarna num personagem com quem partilha segredos e regride, com nomes e empregos diferentes, como se fugisse de um passado. Old Tod se chama Tod Friendly e esconde a verdadeira identidade de Odilo Unverboren, que, sob o nome de Hamilton, trabalha num campo de extermínio de Auschwitz.