Ladyce 16/07/2010
Uma história de sucesso ...
Passamos a semana em discussões sobre a possibilidade de os países do grupo BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China -- formarem um acordo para juntos negociarem com os gigantes do primeiro mundo. Isso me lembrou que em fevereiro deste ano, o meu grupo de leitura se dedicou ao romance vencedor do prêmio Man Booker em 2008: O TIGRE BRANCO de Aravind Adiga [Nova Fronteira: 2008]. Como emprestei o livro imediatamente após a leitura, com forte recomendação, retardei sua resenha por dois meses, até poder reler algumas passagens.
Esse é um romance que se esbalda no humor negro e sarcasmo. Retratada de início ao fim está a história de Balram Halwai, que toma para si a incumbência de explicar através de longas cartas e com tremenda ironia, para o Primeiro Ministro da China, que está com visita à Índia marcada para uma data próxima, “o mundo como ele é”, na Índia. Não é nada bonita a realidade que Balram nos passa e da qual se intitula justo representante. Esse homem, que fez de tudo, incluindo assassinar sem empregador para poder subir na vida, se apresenta como o verdadeiro indiano, produto de um sistema social arcaico, extremamente injusto e feito mais corrupto ainda depois da ocidentalização do país através do colonialismo inglês. Nascido nas camadas sociais mais carentes – habitando um mundo quase invisível para os dirigentes do país, um lugar a que ele chama Escuridão-- ele explica como desde o dia em que veio ao mundo estava, assim como milhões de outros exatamente como ele, predestinado ao fracasso, subordinado às máfias locais, à corrupção dos dirigentes.
O grande trunfo desse romance, seu motor, está na narrativa. O uso da primeira pessoa permite que desde o início os leitores se identifiquem com Balram. Afinal, vemos o mundo através de seus olhos e mesmo que as ações, os valores descritos se mostrem desprezíveis, seu tom, a ingenuidade, a candura com que mostra seus mais deploráveis sentimentos, nos deixa presos entre a simpatia e o desprezo. No final, a narrativa é cativante: ela seduz pela solidariedade. Não podemos evitá-la ao contemplarmos as sórdidas condições de vida de Balram; mas é uma narrativa que nos diverte também quando sua visão simplória do mundo nos mostra um outro ângulo: aquele das necessidades da sobrevivência. Com essa mistura de pontos de vista somos obrigados a perpetuamente reconsiderar o que sabemos, não só sobre a realidade da Índia, mas checar também os nosso valores morais. Há razão para assumirmos que eles são ou devem ser universais?
A ironia é mestra nessa narrativa. A imensa pobreza incomoda e a naturalidade com que somos obrigados a aceitá-la machuca. Mas é uma história de vitória, de sobrevivência, em termos diferentes daqueles que estamos acostumados a considerar, a ver, a aplaudir por exemplo no cinema americano. Somos colocados diante dos mesmos paradigmas das histórias de menino pobre que chega a mega empresário apesar de todas as dificuldades que lhes são impostas. Mas o protótipo dessas histórias não é válido para essa realidade, a história de Balram é diferente, e temos que julgá-la e julgar os nossos preceitos, os nossos preconceitos e valores, apesar de, no final, os resultados serem muito semelhantes aos que conhecemos dos heróis cinematográficos.
Esse é um livro para ler e pensar. Recomendo sem restrições. Um dos melhores livros lidos recentemente. Não perca tempo, abra suas páginas e garanto que a leitura será inesquecível.