Érica 15/01/2011I don't wanna grow up!Algumas pessoas se queixam dizendo que nesse livro nada acontece e que o garoto é problemático. A primeira acusação me irrita. De verdade. Eu fico pensando: o que será um acontecimento?, pra tanta gente reclamar que o livro é parado e tal.
O livro não se prende muito a acontecimentos exteriores. Quem inclui na sinopse desse livro que é a história de um garoto que é expulso da escola e fica passeando em NV não diz nada. Não só pelo motivo óbvio de que é uma única frase (e não se resume um livro, por menor que ele seja, em apenas uma frase!), mas porque isso é secundário. O acontecimento do livro não está no que o Holden faz nesses dias que ele conta, mas a sua visão sobre as coisas, o elas o fazem pensar e sentir e como tudo isso pode levá-lo a uma série de lembranças. Ser expulso e andar por NY é apenas um fio condutor para o que realmente importa no livro, a visão de um adolescente sobre as coisas comuns, contada de uma maneira banal. Isso é o que faz o livro tão especial. São narradas banalidades (passeios, pensamentos impulsivos tipo fugir de repente e outros irracionais como achar que está desaparecendo porque atravessou uma rua, etc...), mas o acontecimento não importa, o que importa é a postura do Holden diante das coisas e sua maneira toda própria de narrar.
No final das contas, percebemos que ele não quer crescer e passa por uma crise por causa disso. Dá pra justificar essa afirmação com várias partes do livro. Todas as pessoas que ele admira são crianças, as coisas que ele admira são meio infantis. Tipo o livro que o irmão dele escreveu sobre o peixinho. Ele adora a irmãzinha ele, lembra com nostalgia do passeio do colégio ao museu, quando ele era criança (aliás, uma das minhas partes preferidas, a do museu), ele se irrita com o palavrão que ele encontra pichado no colégio da irmã e fica imaginando uma criança qualquer lendo aquele palavrão e tenta apagá-lo, como se tentasse proteger as crianças de se corromperem na sua inocência natural. Quem canta a música/poema que dá título ao livro é uma criança. Fora que, claro, tem a interpretação óbvia do sonho dele, no qual ele é uma espécie de salvador das crianças que ficam brincando em um campo, impedindo-as de caírem no precipício. O Holden tenta protegê-las de entrar na vida adulta (o precipício indica a vida adulta).
Claro que, naquele mundo, no qual a inocência não é cultivada e a vida adulta domina, alguém como o Holden só pode acabar adoecendo. Ele vivia numa época em que a adolescência não existia comercialmente (época b.B. = before Beatles), não havia um real reconhecimento dessa faixa-etária como toda uma etapa da vida que diferia da infância e da vida adulta. Adolescente era um pequeno-adulto.
Lembro da música do Tom Waits que ficou famosa na cover dos Ramones (I don't wanna gow up):
Well, when I see my parents fight
I don't wanna gow up
They all go out and drinking all night
And I don't wanna grow up
I'd rather stay here in my room
Nothin' out there but sad and gloom
I don't wanna live in a big old tomb
On Grand Street
A citada parte do museu também é significativa nesse sentido. Ele compara a permanência das coisas no museu com a inconstância das coisas fora dele. Ele diz que certas coisas não deveriam mudar. Ele não aceita muito bem ter que crescer.
Acho muito delicado quando ele diz que qualquer coisa poderia mudar um desses passeios ao museu, um passeio que a escola fazia com certa freqüência (o Museu de História Natural de NY). Ele diz que a experiência de ir até lá poderia mudar completamente se o colega com quem vc tivesse que dar a mão (para não se perder) tivesse pego cachumba e não pudesse comparecer, ou se a professora tivesse sido substituída por outra, ou se vc tivesse escutado uma baita briga dos seus pais no banheiro ou se, na rua, vc tivesse visto uma poça dágua com um arco-íris de gasolina dentro dela. Isso tb mostra que é um livro de pequenos acontecimentos, mais interiores do que externos e casuais. Por isso ele é tão nostálgico e no final começa a sentir saudades de todo mundo....
O Selinger morreu recentemente (ano passado). Pra mim ele é imortal por ter escrito O Apanhador. O Holden é daqueles personagens que dá vontade da gente ligar pra ele pra bater um papo. rs...
When I see the 5 o'clock news
I don't wanna grow up