spoiler visualizarAlexia 10/01/2023
Leia depois de ler o livro ou caso nunca vá ler
Esse livro possui uma construção, não muito convencional, e principalmente: os personagens não são convencionais.
uma coisa que o leitor deve saber é que há muito mais nas entrelinhas do que aparenta. A principal mensagem que retirei do livro é: mesmo sendo um profissional, seu ofício pode dar errado e isso pode, ou não, ser uma coincidência.
Na história, é mostrado como uma série de imprevistos podem mudar fatalmente o destino das pessoas e como isso deve ser encarado. O que era para ser um thriller pesado, torna-se cômico aos planos serem desmantelados. Creio que o intuito não era causar suspense, porque desde o começo se sabe quem pega a mala e o único mistério que poderia existir - acerca da morte do filho do Mineguishi, não é explorado num tom investigativo, mas descoberto a partir de mais um desafortuno. Tangerina e Limão nem tentam descobrir quem foi que matou o menino, apenas pensam em "quem eles poderiam por a culpa".
Nesse ponto, é possível perceber que os contratados para estar naquele trem eram Tangerina, Limão e Nanao e o restante se aproveitou dessa situação para realizar trabalhos paralelos ou estava lá por coincidência e se envolveram na situação. Assim, tirando o Príncipe e Kimura, todos estavam envolvidos - com seus interesses conflitantes - no contexto filho do Mineguishi x Mala. E mesmo eles acabam se envolvendo por conta da soberba do Príncipe.
Algumas considerações acerca dos personagens são importantes:
- Limão: é o típico cara da força bruta, mas que tem sabedoria popular. Foi o único a cogitar que o Príncipe era ruim, por não cair pelas aparências. No mais, ele demonstra o tipo de pessoa despreocupada, cujas ações não possuem um impacto na moral. Ou seja: ele não sente que é errado fazer o que faz, apenas o faz porque precisa viver. A questão dele com Thomas e seus amigos pode ser vista como uma falha de desenvolvimento emocional dele durante a vida, pois o desenho é a única bússola moral que ele tem.
- Tangerina: é o cérebro da dupla, porém vive subestimando Limão por sua falta de cultura. É, efetivamente, quem sente o peso dos acontecimentos, já que seu amigo não possui essa habilidade. Assim, ele surta pelos dois. O ponto do personagem é fazer o trabalho e fazer certo, sendo a mente que bola os planos. O mais engraçado é que por mais que ele seja extremamente antissocial, ainda assim, não consegue ficar sem Limão, sentido sua falta e cuidando dele. No mais, é antissocial e prefere fugir da realidade pelos livros.
- Kimura: também foge da realidade - pelo álcool. Creio que o fato de se afastar da vida de assassino de aluguel, ele se sentiu fraco, como se tivesse perdido uma coisa que o diferenciasse do restante do mundo. Apesar do alcoolismo, tenta não ser um pai negligente - apesar de o ser em diversas situações do livro. O interessante é como o autor relata o vício como algo que vai se apoderando do ser e que se faz de maneira automática, imperceptível. Uma lição que aprendi com esse personagem é que ao ter um vício, raramente o vício será visto de maneira consciente. Assim, para sair do vício, o primeiro passo é se tornar consciente do que acontece.
- Nanao: sua função no livro é simples: fazer com que tudo se encaixe magicamente. Ele, efetivamente, é o que eu chamo de "recurso de onipotência", em que o autor "força" de maneira até absurda, o enredo. Ainda assim, é possível ver que o autor explora isso de maneira bem cômica, apontando que tudo o que acontece com ele é por causa do azar que o persegue. Tudo que pode acontecer de errado, acontece com ele, justamente porque é necessário para amarrar os acontecimentos.
- O Príncipe: o exato oposto de Nanao. Esse, na minha humilde opinião, demonstra as desigualdades do mundo. Alguns nesse blog apontaram que ele é mau e sem motivo. Na verdade, Satoshi é sádico e isso pode acontecer com qualquer pessoa. O prisma desse personagem é sua falta de empatia pelos outros e, justamente por isso, não consegue entender e se fascina com os comportamentos humanos em grupos e individualmente. Aliado a essa falta de empatia, por ser uma pessoa com grande inteligência, considera-se superior a todos. Dai que decorre sua fúria quando menosprezado pela tenra idade - por Kimura, por Tangerina...Ele é uma alegoria de como algumas pessoas possuem tudo nessa vida e conseguem utilizar os outros para se satisfazer, sem consequência própria.
No mais, creio que esse livro deixa bem extrapolado - propositalmente - os dois níveis de sorte x azar e como as pessoas podem ser pagas para fazer maldades (Nanao) e ter mais empatia com o próximo do que uma pessoa que possui tudo e que maltrata os outros por diversão (Satoshi). O próprio fim é irônico, justamente pelo único sobrevivente do trem ser o azarado inato. Já o sortudo, some de maneira misteriosa.
Falam: ah, mas nunca aconteceria... é forçado.
Quando se lê com expectativa de um thriller policial, talvez se decepcione. Mas quando se está aberto para ver as alegorias e a questão desproporcional que é proposital (que trava língua), consegue-se tirar algumas lições interessante desse trem caótico.
No mais, até acho que se enquadra em suspense, porque da metade pro fim, você fica tenso pensando "é agora que o Príncipe se lasca".
Enfim, posso dizer que não é o melhor livro que li na vida, mas que me deu alguns insights e eu até ri, é verdade!