Isotilia 24/10/2013Leitura obrigatória Nunca pensei na Guerra do Paraguai da maneira como o Visconde de Taunay (que esteve lá!) a descreve. Pelo que eu entendi, a guerra teve duas frentes, uma pelo sul (que levou a vitória do Brasil) e outra pelo norte (um espetáculo tragicômico).
'A Retirada da Laguna' (obra originalmente escrita em francês) trata exclusivamente do ataque pelo norte e da 'fuga' do Exército Brasileiro. Essa fuga, ou "retirada" para os que gostam de termos técnicos, foi consequência de vários erros sucessivos.
Primeiramente a Guerra do Paraguai era no Paraguai. E o exército só tinha tropas em Uberaba e em Cuiabá, respectivamente a 1.225km e 619km do Paraguai. Parte da tropa saiu do Rio de Janeiro e passou por essas duas cidades a pé para juntar soldados. Eles percorreram todo esse trajeto a pé (obviamente não havia automóvel na época), arrastando canhões pesando toneladas (com carros de boi) e muitas vidas foram perdidas já nessa caminhada.
Era usual na época que as mulheres e crianças fossem juntos com soldados. Obviamente quando a comida começou a faltar, a prioridade era alimentar os soldados. Quase todas as mulheres morreram de fome. Os índios Guaicurus e Terenas se uniram as tropas. Na verdade, eles correstpondia a mais que o dobro do número de soldados brancos, mas nunca foram considerados nos relatos oficiais. Em 2000 os Guaicurus eram oficialmente um povo extinto. Na Guerra do Paraguai, eles pareciam um povo numeroso. Quando e como eles chegaram a extinção?
Chegando a Miranda (Mato Grosso do Sul), não havia comida, não havia munição, não havia remédios e todos os cavalos morreram.O exército não sabia que os cavalos usuais no Rio de Janeiro não resistiam as condições do Pantanal, aliás eles nem sabiam que o Pantanal era um pântano, eles foram pegos desprevenidos pela cheia dos rios e pelas epidemias. Isso antes mesmo de uma única bala ser disparada.
Para completar a tragédia, o Coronel que comandou a expedição tinha fama de covarde e estava obscecado por desmentir a opinião pública. Mesmo sem saber quantos fortes existiam na região e quantos eram os soldados paraguaios, ele decide atacar a fazenda do Presidente Solano Lopez, chamada Laguna. Foi o primeiro e último ataque da expedição brasileira.
O livro inteiro é a descrição, em forma de diário, da fuga desesperada do exército brasileiro, sendo destruído pelo exército paraguaio, pelo clima e por epidemias. O livro termina com o retorno a Miranda, onde o autor descreve que dos 3.000 soldados que partiram, menos de 1.000 retornaram.
Na verdade, a história foi muito mais dramática. Pois depois de Miranda, os soldados tentaram retornar para os locais de origem. Oficialmente só 3 retornaram vivos. Eles foram acometidos por varíola e as cidades não recebiam-nos nem os aceitavam. Eles foram 'chutados' de vila em vila até chegar a um lugar perto de Monte Alegre, Minas Gerais. Lá hoje existe um monumento (no meio do nada) com os seguintes dizeres : "Aqui morreram os últimos soldados da Retirada da Laguna". Eu nasci a poucos quilômetros desse local e mesmo para quem é de lá, esse lugar passa despercebido e poucas pessoas sabem o que foi a Retirada da Laguna.
A edição da Martin Claret inclui a descrição dos jornais paraguaios sobre a Retirada da Laguna e os documentos oficiais do exército descrevendo as operações. Só a impressa paraguaia aponta a incoerência do Brasil de dizer que está lutando pela "liberdade" com soldados escravos. Além disso, fica muito mais explícito que a guerra era uma luta entre formas de governo, a "república" do Paraguai contra o "império" do Brasil. Era uma guerra ideológica, mais do que financeira. Embora o Mato Grosso do Sul seja o meu Estado favorito, devo reconhecer que o Brasil nem sabia que ele existia até os paraguaios invadirem. Naquela época, a gente poderia doá-lo ao Paraguai sem nenhuma perda para o Brasil. Foi mais uma questão de ego ferido.