Valério 05/01/2015
Meio livro
O autor, Michael J. Sandel, faz uma boa descrição da evolução do conceito de justiça.
De forma brilhante, passa por vários filósofos, expondo seu modo de pensar e conduzindo o leitor a refletir cuidadosamente.
Com exemplos práticos, questiona qual seria o nosso comportamento em dadas situações hipotéticas e claramente expõe os conflitos morais a que somos expostos o tempo todo.
A leitura me empolgou e certamente era um livro fantástico.
Um dos melhores que eu havia lido.
Até a página 190, infelizmente.
A partir daí, o autor, certo de que já conquistou a atenção, a confiança e a admiração do leitor, começa a falar o que pensa (e não apenas apresentar o pensamento de famosos filósofos).
E começa o show de horrores. O autor se contradiz fortemente em vários trechos.
Chega à inacreditável conclusão de que, se sou inteligente, não o sou por esforço meu. Portanto, não mereço ter nada que seja decorrente de minha inteligência. E, portanto, devo renunciar aos frutos de minha inteligência (!!!)
Segundo o autor, "não podemos reivindicar os créditos de nossas aptidões naturais" (Página 198)
Vejam a pérola escrita pelo autor, na página 219, quando aborda a questão das cotas raciais em universidades:
"E, embora a realização de tais propósitos viole de certa forma os direitos dos perdedores (os que ficaram de fora para ceder lugar aos que entraram por cotas), os candidatos preteridos não podem alegar que foram tratados de forma injusta Nesta frase, o autor assume que quem ficou de fora teve seus direitos violados. Mas logo após, na mesma frase, afirma que não foram tratados de forma injusta.. Como é possível afirmar que alguém que teve seus direitos violados não tenha sido tratado de forma injusta?
O autor faz um embaralhado contraditório para justificar suas crenças de esquerda.
Após defender as cotas, em outro capítulo, citando Aristóteles, afirma que a justiça discrimina de acordo com mérito, com a excelência relevante, e que "seria injusto basear a discriminação em qualquer outro fator" (Página 234)
Ora, ele não havia acabado de afirmar que a cor da pele (que nada tem a ver com a justiça) deve ser um fator a se levar em conta?
As contradições são sutis e, se você não é um leitor muito atento e com forte base filosófica, terminará de ler o livro defendendo ideias de esquerda sob uma lógica aparente (mas que acredito ter mostrado que não há lógica. Pelo contrário, há fortes contradições nas ideias do autor).
O meu livro está todo marcado e anotado. Poderia escrever outro livro mostrando toda a incoerência do autor após a página 190.
O que não cabe aqui.
Mas citarei apenas mais uma contradição, na página 267.
Novamente citando Aristóteles, afirma que a política deve cultivar o bom caráter e formar bons cidadãos.
Para, a seguir, contrariando este pensamento, dizer que Estados que tentam promover a virtude são estados que praticam "apedrejamento por adultério, uso obrigatório de burcas, julgamento de feiticeiras".
Mas eis que o próprio autor, na página 323, se contradiz DE NOVO...: "Para muitos, falar de virtude em política faz lembrar os conservadores religiosos ensinando às pessoas como elas deveriam viver. Mas essa não é a única maneira pela qual as concepções da virtude e do bem comum podem informar a política."
Exatamente o oposto do que defendia antes. E fica claro o porquê da mudança constante de opinião do autor: Vai de acordo com o tema que ele quer te convencer. Em alguns casos, a política deve se basear na virtude, como cotas raciais. Em outras, esqueçam a virtude, e sejamos racionais, como aborto. Contraditório como só a esquerda pode ser.
Por fim, finalizo com uma frase do autor emblemática, no mínimo, extraída da página 272 e que resume este péssimo livro sensacional até a página 190 e horroroso a partir daí:
"Não acredito que a liberdade de escolha - mesmo a liberdade de escolha em condições justas - seja uma base adequada para uma sociedade justa"