Olivier.Louhenhart 03/09/2023
Nem todos nasceram para amar... ou serem amados
Fantasma da Ópera se tornou uma das obras que mais me fascinaram em uma considerável quantidade de tempo, e toca em algumas feridas dolorosas, e que gostaria de falar. Não só sobre o livro, mas englobandoa franquia.
A obra trata principalmente de um gênio amargurado, abandonado pela sociedade e que por consequência, não guarda nenhuma gratidão ou hesitação de atentar contra ela, até que seu coração, cativado por Christine o faz aflorar o seu melhor lado... será?
Erik, o misterioso fantasma da ópera, em última análise, é abusivo e possessivo e nada muda o fato de que ele é um assassino, assediador (moral e emocional) controlador e chantagista emocional. Qualquer pessoa que viveu, presenciou ou conhece algum tipo de relacionamento abusivo consegue identificar rapidamente traços tipicos alarmentes. Mas acabar a análise aqui seria muito raso e ainda mais cruel e não faria justiça com o contra ponto proposto pela obra a partir do personagem-título.
A vida de Erik é uma tragédia, e não uma romantizada e bonitinha que sacia a necessidade de autopiedade e orgulho. Não há (literalmente) beleza nisso. Erik nasceu com uma deformidade que o torna "repulsiva" a todas as pessoas e o torna hostilizado e hostil a sociedade. Um renegado, um eterno castigado condenado a viver nas sombras e sozinho por... nascer com uma genética ruim.
Antes de mais nada, vamos tirar o elefante da sala: Aparências importam. Independente do que os idealistas e românticos de plantão o digam, mas Aparências são um importante indicativo biológico para determinar várias coisas em várias espécies, incluindo a raça humana. É nosso Instinto. E por mais que alguns neguem, são os primeiros a virar a cara para queimaduras e deformidades pesadas. O ser humano é condicionado a uma realidade dura e cruel e isso reflete nos próprios instintos dos humanos. Somos cruéis e maus porque a existência impõe isso para a sobrevivência. E se o indivíduo é cruel, assim o é a sociedade, e a sociedade é a fachada perfeita para usar Mascaras e disfarçar nossa crueldade por meio de omissão, egoismo e seletividade, afinal, o sofrimento dos outros não me convém, já tenho os meus que sobram.
Erik nunca foi nem mesmo tocado por uma pessoa, foi explorado, perseguido, humilhado e agredido. Mas Erik não tem culpa de como nasceu, ele não nasceu assim porque quis ou mereceu. E mesmo assim nunca teve empatia ou compaixão, quiçá amor (qualquer um deles, fraternal, romântico ou qualquer outro). E assim, a única coisa que ele teve foi medo e dor, e assim ele aprendeu a lidar com o mundo. Usando medo e dor a seu favor. Qual é o limite do sofrimento que uma pesso pode chegar? De que valerá todo esse sofrimento? Há algum tipo de recompensa por isso? Eu realmente não sei responder essas perguntas, e são elas que tornam a história tão trágica. O único consolo que Erik teve foi seu talento, mas e para aqueles que nem isso têem?
Erik pensou amar Christine, mas na verdade, ele só estava obcecado. Obcecado por uma vida normal que ele nunca teve chance de ter e foi escorraçado pela sociedade aos piores papéis da humanidade. Amor não é um sentimento. Nunca foi. Amor é uma escolha: a espalha de se dedicar, de ser fiel, de apoiar, de respeitar, de se dispor a uma pessoa ou mesmo algo. Claro, geralmente essa escolha e ações são motivadas por sentimentos, talvez até intensos como paixões e outras doses hormonais, mas no fim do dia, são as ações que definem o que é amor, é algo a se escolher, se dedicar e se sacrificar. E Erik entende isso. A pior agressão do Fantasma a Christine, foi com a dependência que ele impôs nela. A sua chantagem emocional, talvez não consciente, mas eficiente. O Anjo da Música aprisionou a mente e o coração de Christine contra a própria vontade e o imputou um sentimento de prisão e sufocamento. Ele entende que não pode apenas reclamar isso como um desejo. Ele precisa cultivar e provar por ações, e precisamente por isso ele acaba a obra como acaba.
Somos o que escolhemos. No fim, não somos o que pensamos ou sentimos. Com a borracha do tempo, se apaga tudo, menos atos, escritos no livro da vida a caneta. Mas é cruel nem ao menos tentar não olhar as marcas a lápis de tudo que rascunham nossos atos. As circunstâncias, cenários e contextos importam, ao menos para quem assina a sua história. Se somos o que escolhemos, são nossas emoções e pensamentos que nos levam a escolher, e não deixam de ter existido.
Em suma, Erik um dos personagens mais trágicos da ficção. Ele de certa forma me faz ver o quão afortunado eu sou em não passar tamanho sofrimento e humilhação, e ainda assim, minha ingrata natureza humana ainda me faz invejar seu talento e genialidade. Nem todos nasceram para amar ou serem amados, alguns nasceram para ficar nas sombras e procurar deixar um legado ao mundo de outra forma, e eu compreendo exatamente isso. Alguns que teimam em amar mesmo assim, apenas causarão dor e sofrimento. Para si, e para os seus adorados.
Reservo um espaço para falar da edição da Pandorga: simplesmente SENSACIONAL. É um dos livros mais bonitos de toda minha estante. (e me orgulho de ter várias livros lindos!) E não só pela capa, mas toda atenção e cuidado do livro, desde contracapas, extras, do uso das fontes, da atenção de alterar elas adequadamente, das artes internas, capítulos, fitilhas... tudo transborda uma diligência e cuidado tão profundo que chega a emocionar de tocar. Não acho que eu tenha visto uma edição tão delicadamente montada como um todo, como esse livro. E ainda vem com pôster e box! A única brecha para reclamação são alguns errinhos de digitação e tradução aqui ou ali, mas definitivamente nada que atrapalhe a leitura ou entendimento.
Do livro em específico de Leroux, acho interessante a atmosfera mais gótica, misteriosa, trágica e fria, uma abordagem bem legal. Mas confesso sentir falta da estética do musical e do filme de 2004. A máscara em 1/3 do rosto da um charme próprio e uma personalidade única a toda a obra - apesar de saber que vai um pouco contra a ideia da obra de uma infecção geral do corpo do fantasma -. A trilha sonora do musical é excepcional (especialmente o toque próprio maravilhoso do Fanfasma) também faz um pouco de falta na obra, embora também entenda que a abordagem do musical ALW é algo mais "romântica" (no sentido de expressão artística) que a densidade gótica e sombria do livro. O senso de tragedia Aqui é muito forte, e no musical já é forte. Também adoro a Christine nesse livro. Ela soa tão madura, sensata e funcional nessa versão. Parece menos uma donzela em perigo e mais o único são no meio de todo o resto do elenco e acho isso bem engraçado.
Ps: sei que muitos discordam totalmente, mas acho que o Gerard Butler é, visualmente, um dos fantasmas mais carismáticos de todos e é para mim a minha referência visual. Ramim Karimloo sendo a referência vocal. Queria poder misturar os dois em um só.