A Chave do Tamanho

A Chave do Tamanho (1942) é um dos melhores livros de Monteiro Lobato -- na série de livros d'O Sítio do Picapau Amarelo". Uma aventura com Narizinho, a neta de Dona Benta; Tia Nastácia; Visconde de Sabugosa, um sabugo de milho muito sábio. Quindim, o rinoceronte do Sítio; Conselheiro, um burro falante e o Marquês de Rabicó, o porquinho que casou com Emília...a boneca de pano que foi evoluindo até virar gente. Talvez o livro mais adulto de toda a coleção. A obra-prima foi escrita no decorrer da Segunda Guerra Mundial. Emília, depois de saber do noticiário de bombardeios pela Europa, resolve sozinha acabar com a Guerra. Ela furta um novo e mais poderoso pó de pirlimpimpim que o Visconde estava fabricando e vai para a "Casa das Chaves".

É o lugar onde estão todas as chaves que controlam tudo no mundo, inclusive a guerra. Só que não havia letreiros nas chaves. Emília, imprudente, resolve puxar uma qualquer. E, de repente, todos os seres humanos ficam minúsculos. Inclusive ela.

Inclusive a Emília? Mas Emília não é boneca? Este é um dos pontos que Monteiro Lobato inova na obra. A própria Emília, em duas passagens no livro, explica que "evoluiu". Ela diz: "Fui virando gentinha e gente sou; belisco-me e sinto a dor da carne. E também como". E o Visconde? Emília relata: "Já o Visconde permaneceu milho. Fala, pensa, raciocina muito bem, sabe todas as coisas, mas não come, nem sente dor de beliscão".

Assim, Emília e todos os milhões e milhões de seres humanos em todo mundo ficaram do tamanho de insetos. E muitos morreram de imediato, porque as roupas não diminuíram. Sendo assim, milhões pereceram sem ar perdidos dentro de suas próprias roupas ou de botas ou sob chapéus. Outros milhares, que estavam dentro de automóveis ou de trens ou de aviões ou de barcos morreram com os desastres que ocorreram. E milhares continuaram morrendo, comidos por seus gatos, por pássaros, galinhas, porcos... bichos alvoroçados com o surgimento de uma nova espécie de "inseto descascado", de fácil captura.

Emília, após sair do seu monte de roupa, nua, descobre o que tinha feito. Mas, sem tamanho, não consegue movimentar novamente a chave para retornar tudo como era antes. E o mundo entra em um processo de desconstrução da civilização do fogo e do ferro. Nada do que importava antes, importa agora. E o que não importava antes, passa a ser essencial. Retornando para o Sítio, Emília quase é comida por um pinto do quintal, o que a obriga a aspirar rapidamente um grão de pirlimpimpim, indo cair na vila próxima. E lá ela tem contato com todas as desgraças que a mudança de tamanho provocou. Mas, ao mesmo tempo, começa a se adaptar, a construir as primeiras noções da nova civilização, tanto em vestuário quanto em defesa e alimentação.

Por sorte, Emília vê um gigante na estrada. Era o Visconde. Sendo milho, e não gente, ele continuou do tamanho que era. Emília consegue chegar ao Visconde e se instala na cartola do sabugo, onde faz um pequeno palacete. Por outro lado, descobre - pela narrativa do Visconde - como estavam as coisas no sítio, com Dona Benta e companhia minúsculos. Visconde e Emília retornam ao Sítio, organizam a vida dos moradores de lá e resolvem dar uma volta pelo mundo, com o super pó de pirlimpimpim. Depois, retornariam para fazer um plebiscito com Dona Benta e demais para decidirem se continuariam daquele tamanho ou voltariam ao normal. Afinal, o Visconde conseguiria movimentar a chave.

E nessa viagem pelo mundo, eles vão parar em Berlim, na sede do governo alemão. E, no palácio, encontram um minúsculo e atemorizado Hitler, verdadeiro "inseto descascado", que Visconde de Sabugosa pegou na mão para que ouvisse uma descompostura da Emília. Como disse Monteiro Lobato no livro, "a entrevista de Emília com o Grande Ditador dava um livro de mil páginas". Irônica, a ex-bonequinha ressaltou: "Esperei encontrar o grande arsenal das ditaduras dando tiros de canhão e espirrando fogo, e o que no próprio palácio do Grande Ditador eu vejo são montinhos de farda vazia e arianos insetiformes, tímidos, nus, escondidos pelos cantos e vãos e frestas". Visconde e Emília ainda passam pelo Japão, onde encontram um desesperado Imperador sendo caçado pelo gato. Depois, vão à Rússia, onde constatam a tragédia do frio imenso, que matou praticamente a todos. Vão para a Califórnia, onde encontram um começo de civilização em montagem, com gentinhas cultivando minhocas como alimento e organizando a nova vida. E, claro, depois vão parar na Casa Branca, onde Visconde recebe a proposta de trabalhar para o Governo dos Estados Unidos, afinal, sendo agora gigante, o país que o tivesse seria extremamente poderoso.

Monteiro Lobato foi gênio na obra: Os mandantes de Alemanha, Japão e Estados Unidos nus. Sem tamanho, não eram nada. Toda a raça humana é chamada de "inseto descascado" por Lobato, na voz da Emília, crítica ácida a uma espécie que se digladiava na Segunda Guerra Mundial.

Depois da volta ao mundo, Emília e Visconde retornam ao sítio para o plebiscito, em que até o Burro Falante e o Quindim votam. Emília defendia a manutenção do tamanho minúsculo. Dona Benta queria o retorno ao tamanho anterior. O resultado? Só lendo o livro. Além da curiosa revelação sobre a ex-boneca Emília, o livro tem uma tragédia no Sítio. A morte do Tio Barnabé. Nas adaptações para a televisão, Tio Barnabé ganhou destaque, mas - nos livros - ele pouco aparecia. E não era sozinho, mas um homem com grande família. Pois bem, Tio Barnabé e sua família foram devorados por um leitão, o próprio Rabicó. Claro que Rabicó não sabia que estava comendo o Tio Barnabé, mas sim uma nova raça de insetos descascados que surgira. Ao descobrir o que tinha realmente feito, Rabicó fica extremamente desapontado. Enfim, um grande livro, muito mais adulto do que infantil, com Emília sendo a grande protagonista, não mais a Emília boneca, mas a Emília "gente", a Emília que colocou fim à Segunda Grande Guerra Mundial. -- [Antônio Rodrigues de Lemos Augusto, jornalista e advogado, Cuiabá-MT]
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