Cadeira de Rodas & Romances Ingleses

O frio cortava o rosto. O som que vinha da freeway era de carros que não se importavam com seu sofrimento e seu despreparo, muito menos para os choros e xingamentos do homem ao seu lado, na cadeira de rodas. A noite havia se instalado e, em algum ponto da Virgínia, William experimentava seu primeiro dia nos Estados Unidos da América, a terra que, para ele, era tão "prometida" como fora Israel para o povo de Deus.
Sentia, porém, que era na própria terra prometida que passaria pelo deserto.
Não sabia para onde ir, não sabia se deveria voltar, não sabia seguir adiante. Mas precisava agir.
O jovem de apenas 18 anos pensou em voltar, conversar com o médico e pedir-lhe ajuda. Para isso, precisava de coragem. Sair do papel de espectador era necessário.
A hora havia chegado. Não chegara até ali, depois de anos sonhando com aquela oportunidade, para chorar à beira de uma estrada como um desabrigado qualquer.
Aliás, desabrigado sim, mas com uma imaginação regada a romances ingleses e a todas as peripécias que personagens mil podiam lhe emprestar ou, quem sabe, inspirar.
Reuniu forças, deixou o velho praguejando contra o mundo e voltou à clínica que o expulsara porta afora. Sabia que não estava só e que podia sempre recorrer à fé em algo melhor, mesmo que sua goiabeira, altar de tantas preces, estivesse a centenas, milhares de quilômetros distante. Em, praticamente, "outro mundo".
Alguém precisava andar. Alguém precisava voar.