CONTOS DE FADAS OU REALIDADE?
O poeta Hermann Hesse não precisava do Prêmio Nobel de Literatura, que recebeu em 1946, para que se tornasse famoso no Brasil. Seu romance "O Lobo da Estepe" talvez tenha sido, em todos os últimos decênios, o maior sucesso de um livro estrangeiro. Depois foram traduzidos para o português a maravilhosa narrativa "Narciso e Goldemund", o comovido "Sidarta" e, sobretudo, "Demian", o romance da mocidade, de incalculável influência sobre a mentalidade das novas gerações, bem como a última obra-prima de Hesse, "O Jôgo das Contas de Vidro", romance só comparável, em nosso século, ao "Ulysses", de Joyce e ao "Fausto" de Thomas Mann. Em compensação, o público brasileiro ouviu falar das corajosas e viris atitudes de Hesse, adversário intransigente do militarismo alemão e de todo militarismo, exilado de sua pátria por opor-se à guerra e profeta de uma nova religião de liberdade.
O público brasileiro tem, agora, a oportunidade de ler e admirar um volume de contos de Hermann Hesse. São relatos como recordações, de destinos alheios a que o poeta assistiu e do seu próprio destino que êle sofreu. São "casos" vistos através da distância e dos tempos, através de saudade e ternura e reconsiderados com uma dose de ironia, assim como a gente se lembra da adolescência, das alegrias e decepções e de tudo que já passou para sempre. A atitude poética do narrador Hermann Hesse não poderia ser descrita e definida melhor do que por suas próprias palavras:
"O amor pode ficar frustrado; e pessoas que se amam e se querem bem podem, no entanto, viver uma ao lado da outra, sem encontrar seu destino comum, ficando presos em suas vidas aparentemente incomunicáveis e incomensuráveis; e cada um gostaria de ajudar ao outro e, no entanto, não pode e nem sequer se pode ajudar a si próprio, assim como em pesadelos absurdos e tristes. Mas sabemos, enfim, que a alegria e o sofrimento são inseparáveis como compassos diferentes da mesma música. A arte de narrar essas coisas e a oportunidade de lê-las e compreendê-las é o grande consôlo dos que ficam do lado de fora e aos quais o destino não deu a fôrça para dominar a vida. Mas às vêzes chega a hora rara em que conseguimos aproveitar bem a lição aprendida, e então, conquistamos aquilo que, mais tarde, so nos transformará em recordação imperecível."
São palavras de quem já foi romântico, mas conseguiu superar o romantismo inato para encarar sobriamente a realidade.
Hermann Hesse deu a êste volume o título, no original alemão, "Märchen", isto é, "Contos de Fadas". Naturalmente, não são contos de fadas infantis e os milagres "que acontecem nêles ficam nos limites das leis da natureza e da convivência humana". São "Contos de Fadas" no sentido em que todos os contos têm de sê-lo: o que poderia ter acontecido e não aconteceu, mas poderia acontecer. E é esta a lição de Hermann Hesse. Do poeta que em "O Jôgo das Contas de Vidro" resumiu a grande herança dos tempos idos e, em "Demian", ensinou a quebrar os falsos tabus do passado para criar lugar para a mocidade de amanhã. Serão de fadas êstes contos? Se quiserdes, não serão contos de fadas, mas serão a realidade. É só querer.
OTTO MARIA CARPEAUX
Contos / Literatura Estrangeira