Das vantagens da ficção
Como de costume,
sem ter hora ou ocasião,
a verve me espreita
os sonhos mais sórdidos.
Ela se debruça sobre mim
e com seus lábios melífluos
me beija
ardentemente.
Somos o próprio caos.
Depois de algumas horas de
gozo trocado,
eu, ainda distante de mim,
me lembro de Dulce,
a bibliotecária que lambe
dicionários.
Recordo-me também de Agenor,
o velho que cultiva bonsais
em torradeiras.
Me vem a mente, por último, a persistência
de Hugo, o menino que empilha grãos de arroz
com um apuro sobrenatural.
O que
por acaso
nos aproxima
é justamente
o fato
de que sonhamos sozinhos.
O que
curiosamente
nos mantém ligados
é aquilo que
nos denuncia.
A consciência de que meu eu
só existe em lírica
não é um incômodo.
Muito pelo contrário,
é o que
dá ao meu aglomerado de células imprecisas
alguma verossimilhança.
O mundo seria ainda mais infindável
se todo espírito pudesse desfrutar do
prazer
de
inexistir.
Poemas, poesias