Eu fui convocada, diz a narradora na primeira linha deste romance de Herta Müller - escritora de língua alemã nascida em 1953 na Romênia, de onde emigrou em 1987 para escapar do regime comunista e desenvolver, na Alemanha, uma obra que lhe valeu o prêmio Nobel de literatura de 2009.
A convocação a que se refere a protagonista de O compromisso partiu da Securitate, temível polícia secreta do ditador Nicolae Ceausescu. E o delito que pesa sobre a personagem, que trabalhava numa fábrica de roupas, foi ter colocado bilhetes em ternos destinados à Itália, oferecendo-se em casamento para quem quisesse tirá-la do inferno totalitário.
A essas experiências se somam memórias pessoais igualmente traumáticas: do primeiro marido que tentou matá-la, do atual companheiro mergulhado no alcoolismo, do assédio sexual sofrido no trabalho, do assassinato da amiga durante fuga, da família marcada por traições e perseguições. São fatos de que ela se recorda durante o trajeto de bonde que a levará a mais um depoimento ao serviço secreto, compondo uma colagem descontínua de reminiscências resgatadas da morte e do esquecimento pelo lirismo áspero de Herta Müller.
Manuel da Costa Pinto, Crítico literário e colunista da Folha