No crepúsculo do pensamento

No crepúsculo do pensamento Herman Dooyeweerd




Resenhas - No crepúsculo do pensamento


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vitor f. avila 31/12/2022

Do crepúsculo para a alvorada de uma nova crítica
É difícil resumir como essa leitura, concluída no crepúsculo de 2022 (trocadilho intencional!), se tornou uma das grandes referências não apenas literárias, mas, inclusive filosóficas, com repercussões plenas e reformacionais no meu labor jurídico e filosófico. Dooyeweerd está, ao lado de Agostinho, Anselmo, Calvino, Kuyper e Barth, como um dos grandes pensadores ocidentais da ala cristã.
Este resumo da sua tese acerca da natureza religiosa (diferentemente de teológica, como ele explica detalhadamente) do pensamento teórico não apenas é revolucionária como atesta uma obviedade: desde Platão, toda a epistemologia parte de uma crença. Isso é assumido de forma pacífica: conhecimento é crença verdadeira justificada. Apesar dos contraexemplos de Gettier, ainda assim isso não atinge a dimensão suprateórica que Dooyeweerd aborda: todo o conhecimento é religioso em sua natureza, tem compromissos para além das questões teóricas e práticas. Logo, o problema não é sobre como uma crença pode ser verdadeira e, também, justificada. O problema é já no que é esta crença! De fato, o homem - o que é isto? - pensa, age e se conhece desde o coração - tomado o termo das Escrituras, para descrever o centro de unidade multiaspectual da realidade - para fora, de forma transcendente, para além do tempo cósmico.
É revolucionário pois é tanto uma filosofia reformacional, isto é, que reforma aquilo que está inadequado na filosofia a partir da transcendentalidade do pensamento, como também parte da epistemologia agostiniana-reformada em sentido teológico e filosófico: o verdadeiro conhecimento surge em dependência do verdadeiro conhecimento de Deus, que é a Origem de toda a realidade. Inclusive a Origem do coração da pessoa humana.
É uma leitura densa em boas partes, inclusive acerca do historicismo. Porém, uma vez com uma bagagem mínima sobre a história das ideias filosóficas, é possível compreender Dooyeweerd se, tomado seus pressupostos, percebe-se se há coerência interna e adequação da realidade daquilo que ele trata, nestas séries de palestras que ainda repercutirão por muito tempo.
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Lucio 17/07/2020

Uma Introdução e Apologia à Filosofia Reformacional
INTRODUÇÃO
Esta é uma obra da própria pena do autor que se pretende como introdução ao seu pensamento filosófico. Está dividida em oito capítulos que estão espalhados por quatro partes. A primeira parte se dedica à crítica da pretensão de autonomia do pensamento filosófico. Possui dois capítulos. É a parte mais difícil da obra e que fundamenta todo o resto. A segunda parte é uma análise do historicismo e do aspecto histórico em geral. Possui dois capítulos também. A terceira parte analisa o aspecto da fé, e está dividida em três capítulos. A última parte é sobre antropologia filosófica e teológica, e possui apenas um capítulo. Nosso resumo não tratará de capítulo por capítulo por conta de várias porções se repetirem nos capítulos posteriores. Além disso, há complementos teóricos dos temas trabalhados num capítulo e que se desenvolvem em outros. Assim, colocamos tudo junto em ordem temática e sistemática.

RESUMO GERAL
Dooyeweerd de início quer mostrar a legitimidade de começar o pensamento teórico a partir de um ponto de partida bíblico. Essa é, porém, uma atitude considerada intelectualmente inadequada. Presume-se que a filosofia deve começar a partir da razão autônoma, sem quaisquer pressupostos religiosos. O filósofo acredita que esse é um pressuposto aceito acriticamente, e passa a buscar explicitá-lo, bem como a nos dar razões para rejeitá-lo.
Para começo de conversa, Dooyeweerd nos faz observar que intuitivamente sabemos que experimentamos o mundo por uma diversidade de modos. Na atitude ordinária, pré-teórica, estão todos esses modos como que emaranhados, embora num dado momento um deles qualifique uma experiência, mas tem os demais como pano de fundo. Esses ‘aspectos modais’ obedecem à uma ordem ontológica e são os seguintes: número, espaço, movimento, físico-químico, biótico, sensitivo, lógico, histórico, linguístico, social, econômico, estético, jurídico, moral e pístico. Cada aspecto possui um núcleo modal que dá seu sentido único e irredutível a outro aspecto. Todavia, estão, na realidade, correlacionados, e, assim, acabam fazendo analogias e intercessões uns com os outros. Essas analogias são os momentos analógicos. É preciso pontuar, também, que nessa inter-relação entre os aspectos modais, existe uma relação específica entre o aspecto precedente e o sucedente. O aspecto anterior, retrospectivo, funda o posterior que, por sua vez, abre o anterior. Assim, a compreensão de um acaba implicando a compreensão do outro que, por sua vez, segue o mesmo processo, de modo que toda a estrutura modal é implicada na compreensão de qualquer das partes. A realidade, portanto, só pode ser entendida como um todo. Quando buscamos enxergar as coisas pelo prisma lógico, buscamos uma síntese entre ele e algum outro aspecto. Essa é a chamada ‘atitude teórica’ em Dooyeweerd. Ela busca uma perspectiva lógica dos aspectos não-lógicos, que oferecem resistência para serem apreendidos dessa maneira - donde surgem os problemas teóricos. Embora possamos, pela própria natureza da estrutura modal, empreender tal exercício - e o fazemos para analisar mais detidamente um aspecto da realidade numa ciência especial -, não podemos tomar essa síntese teórica como a própria realidade em si. É uma abstração que isola um aspecto dos demais e filtra a realidade por esse novo prisma. Mas uma apreensão teórica do gosto não pode ser similar ao gosto e sabemos disso. O mesmo vale para todos os demais aspectos. É a filosofia que nos desvela essa estrutura da realidade e a natureza de cada aspecto modal, que são categorias fenomenológicas. As ciências especiais lidam diretamente com o objeto pelo prisma de um dos aspectos modais. A filosofia trata da natureza dos aspectos, incluindo aí sua correlação com o todo. Portanto, ela dá a estrutura geral da experiência humana.
A experiência ordinária não diz respeito a uma teoria sobre a realidade. Ela é a pré-condição de toda teoria, e está presumida em toda e cada uma delas. Portanto, não pode ser ‘refutada’ por qualquer perspectiva científica ou filosófica, pois cada uma delas se fundamenta nela, parte dela, a presumo como pano de fundo o tempo todo. Na experiência ordinária que lida com o real concreto todas os aspectos estão coerentemente vinculados. É só a atitude teórica que os desassocia por abstração, e deve-se notar que isso nunca corresponde ao real, mas a um aspecto do real, devendo estar vinculado aos demais aspectos para não se supor uma teoria fantasiosa da realidade. Mas a própria coerência em si não pode ser cooptada teoricamente, posto que sempre que teorizamos, teorizamos sobre um aspecto. Cientificamente, portanto, ela nos é inapreensível, sendo apenas anunciada pela filosofia crítica.
Pois bem, uma vez que observamos a antítese teórica que opõe o aspecto lógico aos aspectos não-lógicos da experiência humana da realidade, surge a questão da síntese. Deve haver um ponto de referência que permite tomar o aspecto lógico e um aspecto não-lógico e sintetizá-lo. Aí está o ego transcendental que efetua tal síntese. Para manter o dogma da autonomia do pensamento, é preciso tomar o ponto de referência para a síntese no próprio pensamento teórico. Mas se algo promove a síntese, não pode estar em nenhum dos lados da antítese. Todavia, o dogmático racionalista toma o lado do pensamento teórico para tal síntese. Com qual justificativa? Isso já seria uma redução da experiência real a partir de um aspecto. Mas, para piorar, esse pensamento teórico é pensamento teórico de alguma coisa. A atitude teórica está sempre sintetizando algo, pois faz parte da estrutura modal que ela seja a conceituação de alguma coisa. Mesmo a lógica formal faz síntese entre o aspecto lógico e o simbólico. Esse fundamento sintético como ponto de referência traz um grande problema, pois há possibilidades sintéticas tão variadas quanto existem aspectos modais. Existe uma síntese teórica matemática, físico-química, biótica, histórica e assim por diante. Quando se toma uma dessas sínteses como o ponto de partida para uma teoria geral da realidade, absolutizamos um aspecto em detrimento dos demais, e reduzimos tudo a um aspecto da realidade, de modo que acabamos perdendo suas demais facetas e construímos uma imagem teórica irreal. E o que faz com que escolhamos um aspecto para a síntese teórica fundamental da nossa perspectiva da realidade? É aí que desponda os motivos supra-teóricos que nos dirigem à escolha. É aqui que Dooyeweerd demonstra que toda absolutização parte de um pressuposto fundamental supra-teórico e que, portanto, desmente o dogma da autonomia da razão.
Há espaço para uma especial avaliação da proposta de Kant de tomar como ponto de partida o aspecto lógico. Para isso, ele coloca um eu transcendental identificado com o pólo lógico da antítese. Todavia, bem nota Dooyeweerd, ele confunde o eu penso com o pensamento lógico, não distinguindo as várias formas de ‘pensar’ que são particularidades dos outros aspectos e que só num segundo momento se torna objeto teórico pela síntese. O eu que experimenta o mundo de várias formas é também o eu penso teórica e logicamente. Mas não podem ser confundidos. Kant os confunde. E toma um dos lados da antítese para propor a síntese. Ignora assim, igualmente, que o que se busca é justamente esse ponto de referência que fundamenta e justifica a síntese entre as experiências de natureza diversa, de aspectos não-lógicos, e a atividade teórica. O que toma o aspecto não-lógico e tenta lhe dar um caráter lógico. Há um ego subsistente que realiza esse processo e ele não pode ser identificado com aspecto algum, nem mesmo o aspecto lógico.
Esse ego é justamente o mistério filosófico que precisa ser identificado, pois é ele que dá a direção concêntrica de todas as experiências modais e permite a síntese teórica. Então, Dooyeweerd passa a discutir sua natureza. A questão é que, como Kant bem observou, ele não pode ser apreendido conceitualmente. Toda tentativa de conceituá-lo é feita a partir de uma síntese teórica com algum aspecto. Toda tentativa de conceituá-lo abrange o aspecto empírico do ego, não o ego transcendental, fundamento e condição de todo pensamento. O ‘eu-físico-químico’, o ‘eu-biológico’, o ‘eu-sensitivo’, o ‘eu-histórico’ e assim por diante são todas experiências temporais e modais do ego transcendental subsistente. Mas, então, o que é esse enigmático ego? Se não o descobrirmos, nos encontraremos num impasse aporético muito grande, pois se ele não é nada, não podemos fundamentar nada sobre ele, e assim toda atividade teórica fica sem sentido, e todo o pensamento perde sua justificativa.
O filósofo rejeita a tentativa de encontrá-lo por meio não só de qualquer aspecto modal - o que é reduzi-lo em um aspecto, perdendo o todo da realidade -, como na tentativa de identificá-lo pela relação com os outros homens, como foi proposto por alguns existencialistas famosos de seu tempo. Afinal, diante do outro nos deparamos apenas com o mesmo enigma do ego. E quando dizemos que devemos buscar uma relação de amor que desvela o outro, não sabemos que tipo de amor específico - filial, romântico, amizade, discípulo-mestre… etc. Cada uma dessas experiêncais de amor se fundam num aspecto modal (biótico, moral, social) e não são a experiência de amor transcendental. É preciso conhecermos a nós mesmos para essa entrega, e conhecermos o homem para uma relação tão profunda.
Então, Dooyeweerd propõe justamente a relação com Deus como a forma de descobrir o ego. Há um impulso religioso natural. O ego, ou o ‘coração’, é uma instância que guarda uma impulsão natural para buscar a origem absoluta de si e de todas as coisas, de modo a unificá-las e lhes conferir sentido. Essa busca de sentido é o impulso fundamental e religioso do ego em direção a Deus. Aqui, Dooyeweerd toma a noção agostiniano-calvinista de ‘sensus divinitatis’ como pressuposto fundamental para explicar as atividades do ego. Ele é essencialmente a instância onde se assenta a imago Dei e que é feita para se relacionar com Deus. Assim, o filósofo lhe dá uma ‘substância’. Não é meramente uma ‘unidade lógico-transcendental de apercepção’ kantiana. É a unidade religiosa de apercepção.
Tal pressuposto fundamental é justificado pela experiência humana de eleger um motivo base pelo qual absolutiza e explica todas as coisas por meio de um aspecto. Como foi demonstrado, isso se dá por meio de uma escolha, e um impulso natural de absolutização. Ou esse impulso se dirige ao que realmente pode absolutizar todas as coisas ou então absolutiza o relativo e reduz tudo o mais a ele. A tese de Dooyeweerd é que se tomarmos por motivo base uma perspectiva bíblica de criação-queda-redenção, que move o coração para Deus e toma o ego não disperso em buscar uma absolutização diluída no mundo, mas transcendendo-o, poderá libertar inclusive a filosofia para pensar no real verdadeiro, para olhar para o mundo sem o reducionismo inerente às absolutizações.
Em suma, o ego é o centro religioso que relaciona o eu transcendental ao eu transcendente, e busca nele sua origem e significado, tal como as mesmas coisas em relação ao mundo. A síntese teórica encontra seu fundamento nesse ego. A motivação básica do ego é, então, convertida a uma perspectiva total da realidade para a glória de Deus. O mundo é visto como mundo criado por Deus para o exercício da atividade humana em submeter toda a existência ao Senhorio de Cristo, redimindo-o assim.
Dooyeweerd gasta um bom tempo, em momentos diferentes da obra, analisando os motivo-base religiosos que perpassaram o ocidente. O motivo base é sempre religioso, existencial. Ele dá as respostas a como propomos a síntese teórica e fundamentamos o significado de todas as coisas. Determina, pois, nossa cosmovisão no seu fundamento epistemológico. Os gregos foram motivados pela noção de forma e matéria, a escolástica buscou um motivo base que sintetizava o motivo grego com o motivo bíblico - ou o motivo humanista, posteriormente, que é motivado pela natureza e liberdade. Nota o caráter sempre dialético dos motivos não-bíblicos. Explica que eles inevitavelmente se darão dessa forma por conta de sua absolutização de um aspecto produzir um correspondente, dada a integração dos aspectos na realidade, de modo que um ídolo produz seu contra-ídolo e, assim, envolve todo motivo base não-bíblico em contradição numa duplicidade.
Há duas análises específicas de aspectos modais no livro. Uma seria como que um ‘estudo de caso’, e tem especial interesse por conta de sua influência no ocidente: o historicismo, que absolutiza o aspecto histórico. A outra se faz necessária para estudar um aspecto especial: o pístico. A primeira está na segunda parte do livro e a outra na terceira parte.
O historicismo é a ideia de que todos os valores, pensamentos, ideias, formas de relacionamentos humanos e afins são produtos históricos, são fenômenos culturais. Enquanto houve uma certa atribuição de telos histórico, até mesmo cristãos aderiram ao historicismo para ver no desenvolvimento da história e dos valores o surgimento do Reino de Deus. Mas o historicismo questionou até mesmo esses valores e, então, caiu em um niilismo e relativismo absolutos. O historicismo é, assim, a absolutização sintética do aspecto histórico que acaba reduzindo todos os demais aspectos ao aspecto histórico da experiência humana e, no fim, acaba por corromper a própria visão da realidade. Em oposição, Dooyeweerd postiviamente propõe o núcleo modal da história como o poder formativo cultural relevante que abre uma sociedade para desenvolver os demais aspectos prospectivos de modo a ganharem projeção. Todavia, sem uma submissão à ordem criacional, encontrada apenas em submissão ao espectro do Criador, mais cedo ou mais tarde o pecado humano acabará por absolutizar um desses aspectos e buscará submeter toda a sociedade humana às suas rédeas de poder formativo, culminando inevitavelmente em totalitarismo. Somente na perspectiva criacional, e motivado basicamente de forma bíblica, poderá haver harmonia e integração nas esferas da sociedade que correspondem ao desenvolvimento de aspectos na atividade científica (wissenschaft, não naturwissenschaften ou geisteswissenschaften).
Quanto ao aspecto pístico, Dooyeweerd se dedida a mostrar como ele diz respeito ao que transcende o tempo, mas ainda assim é um aspecto modal e, como tal, produto de uma atividade teórica que chamamos de teologia. Como tal, ela faz analogia com os demais aspectos e deles tira seus conceitos - embora cada aspecto dê um sentido especial a esses conceitos feitos por analogia. Também esclarece que a atividade teológica não pode ser confundida com a religião, que se trata do ato real de Deus agir sobre o coração humano de forma redentiva. Fala sobre a teologia poder versar teoricamente sobre o motivo básico bíblico, mas não necessariamente fazê-lo de motivo básico - essa é uma ação do Espírito Santo. Está particularmente preocupado com a teologização da salvação, que faz da atividade teórica o meio de salvação. Há, também, nesta seção, uma importante discussão sobre a teologia explicitar seu motivo-base para que ela possa ser biblicamente orientada no final das contas, e não ficar cativa
Por fim, é importante destacar o teor apologético do pensamento do autor. Há não só uma crítica à autonomia do pensamento - ponto fulcral da crítica ateísta contemporânea -, tal como demonstrada acima, como a proposta de um teste das cosmovisões por meio da estrutura modal da realidade. Em termos técnicos, seria um teste da abrangência. Toda cosmovisão não-bíblica, para Dooyeweerd, acaba por filtrar a realidade, a empobrecendo e nos dando uma ilusão do que é o verdadeiro real.

AVALIAÇÃO CRÍTICA
Tal como diz Husserl sobre a fenomenologia, uma vez que aprendemos a pensar pelas estruturas modais, não podemos mais escapar de perceber as coisas assim. Isso é, certamente, inescapável. Todavia, há algumas questões que nos parecem ou obscuras ou mesmo equivocadas nas resoluções de Dooyeweerd. Pretendemos justamente pontuá-las aqui.
Primeiro, quando ele diz que a coerência que integra todos os aspectos não pode ser apreendida teoricamente, já não está apresentando alguma teoria a seu respeito. É claro que se tomarmos pelo prisma de alguma ciência especial, temos de dar razão ao filósofo holandês. Todavia, se for dito como uma impossibilidade em absoluto, é uma franca contradição, posto que ao se falar dela já estamos teorizando.
O mesmo se dá em relação ao motivo-básico. No afã de torná-lo supra-teórico, parece considerá-lo não-proposicional, quando nos parece perfeitamente proposicional e filosoficamente discutível. Inclusive, pode ser justificado tal como fizemos, como condição necessária para a apreensão integral do real, como condição transcendental.
O compromisso com o motivo-base me parece um compromisso existencial. Mas isso não ficou tão claro na obra. Com tal perspectiva, tudo parece mais facilmente compreendido. A propósito, ao criticar o existencialismo de Heidegger, Sartre e Buber, não pareceu considerar o de Kierkegaard que nos parece atender ao requisito de transcendêcia do ego e busca de sua origem. A propósito, parece haver um grande proveito em sintetizar Kierkegaard e Dooyeweerd em pesquisas futuras.
A modalogia também não ficou muito bem explicada nessa obra. Não há justificativa alguma a respeito da ordem estrutural apresentada. Há apenas um tratamento rápido do aspecto sensitivo e um tratamento mais abrangente do histórico. As correlações com o aspecto pístico não foram salientadas e o próprio aspecto pístico não foi esclarecido em termos de sua influência na significação dos demais aspectos. Essa é uma questão que pode muito bem fundamentar uma avaliação biblicamente orientada de todas as demais ciências, não apenas em termos de motivo base, mas em termos de orientador teórico fundamental, tal como em Van Til e Rushdoony.
Poderíamos mencionar brevemente o que nos pareceu um resquício de hegelianismo em sua perspectiva de progresso, e a falta de uma consideração a respeito do conservadorismo em si, embora haja uma interessante apologia à tradição. Mas talvez o filósofo reserve outras porções de sua obra filosófica para se dedicar a essas questões - bem como a outras que apontamos nesta crítica. Certamente há um tratamento mais completo no New Critique of the Theoretical Thought.

REFERENCIAL TEÓRICO
Dooyeweerd é não só um filósofo crítico transcendental - o que fica claro desde o início -, como nos parece abertamente fenomenológico. Entender os aspectos modais em termos fenomenológicos nos parece crucial. Por tudo isso, uma noção de Kant, Hegel e Husserl é indispensável para uma boa compreensão do filósofo. Smith, nas notas de rodapé, ainda mostra a correlação entre muitas de suas teses e as de Heidegger. E, claro, é importante notarmos seu referencial teórico em Agostinho, Calvino e Kuyper. Barth também sofre sob a pena do autor, e é uma importante referência no seu diálogo. Dooyeweerd também dialoga constantemente com Platão, Aristóteles, Tomás de Aquino, Descartes, Hobbes, Leibniz, Comte, Marx e Dilthey, sem contar outros filósofos como Anaximandro e Nietzsche - pra não falar de nomes menos conhecidos como Stahl e Buber. Há referências também a não propriamente filósofos, como Spengler, Toynbee e até a Hayek! Em suma, podemos dizer que é um livro que demanda muitíssima maturidade filosófica e erudição para uma boa compreensão.

RECOMENDAÇÕES
Tendo uma boa bagagem filosófica, o livro e o autor são indispensáveis para o pensamento cristão maduro. Dooyeweerd é um dos grandes filósofos do século XX, reconhecido internacionalmente e inclusive tomado como uma joia cultural dos holandeses. A introdução deixa clara a sua influência no ocidente, principalmente no círculo acadêmico cristão, que renasceu na segunda metade do século XX. Para estabelecer um diálogo reformado com a filosofia contemporânea, o autor é impreterível e a leitura do livro certamente nos influenciará para o resto da vida. Podemos até discordar de pontos precisos na obra geral, mas o método das estruturas modais e a crítica transcendental que desvela os motivos-base do pensamento são certamente pontos que permanecerão em nossa mente para sempre.
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