spoiler visualizarRonaldo Thomé 30/11/2022
A frase escolhida por bell hooks para dar título ao seu livro é uma poderosa declaração de Sojourner Truth, uma das primeiras mulheres líderes da resistência negra nos Estados Unidos. Aqui, podemos perceber implicitamente algo que a autora coloca em seu livro, e que permeia toda a obra: a desumanização da mulher negra, e como bell identificava o feminismo como uma força capaz de mudar essa realidade (embora haja críticas fortes ao movimento aqui).
Através de um apanhado histórico muito bem detalhado, a ativista americana nos dá um banho de informações, que é um verdadeiro tapa na cara. Os Estados Unidos (assim como a maioria dos países do nosso continente) foi construído com dois pilares como sua base. O primeiro é o racismo, que se evidencia com a escravidão, e talvez seja o mais visível.
Mas há outro, e sobre ele bell ocupa a maior parte de sua obra: o sexismo e a misoginia. Antecipando as ideias de interseccionalidade, que seriam popularizadas muito depois, vemos que o preconceito e a violência na sociedade sempre se acumularam em camadas; conforme se avança nas mesmas, sofre-se muito mais. A camada mais alta é a do homem, heterossexual e branco; em seguida, a mulher branca; em seguida, os homens negros e, por fim, a mulher negra. Hooks, com vastas evidências sobre o período da colonização, nos mostram que o preconceito que a mulher negra sofreu sempre foi MUITO maior, porque ela é tanto vítima do racismo quanto da misoginia (por parte de praticamente TODAS as camadas anteriores, inclusive de homens afrodescendentes).
A tendência infelizmente permaneceu após a Independência, a abolição da escravatura, a revolução industrial e os movimentos de direitos civis. Muitos mitos sobre a mulher negra (como a afrodescendente como mulher depravada, a sua suposta agressividade etc) na verdade são farsas dolorosas e baseadas nesse racismo estrutural, e que numa sociedade profundamente patriarcal, uniu-se ao sexismo como forma de controle feminino.
É uma obra cruel, com muitos relatos indigestos, e que vai fazer você ficar desiludido em muitos momentos. bell deixa muito claro que o feminismo (no início, branco e profundamente excludente) escondeu em muitos momentos falsas intenções e teve inúmeras líderes que excluíam a mulher negra; da mesma forma, diversos líderes do movimento negro (como Malcolm X) também agiram de forma profundamente misógina com suas companheiras negras. Uma coisa, porém, é certa: se você é uma pessoa que deseja conhecer e entender os movimentos de direitos civis, bem como participar e atuar dentro deles, é fundamental entender o que essa corajosa autora ensina aqui, mesmo que seja para não cometer erros (absurdos ou não) que fizeram parte do passado.
Indicado para: quem deseja entender as muitas limitações que o feminismo teve, e como superá-las, bem como do próprio movimento negro (principalmente se você quiser participar deles).
Nota: 10 de 10,0.